André Berger*
Há muito tempo que a inovação deixou os livros de Alvin Toffler, o pai da futurologia, e passou para a realidade. Todos os artefatos tecnológicos que acompanham nosso cotidiano, dos smartphones às casas inteligentes, são exemplos tangíveis. Na última década, a inovação entrou de vez também nos consultórios médicos. Um estudo realizado pela empresa de inovação Distrito aponta que a quantidade de healtechs duplicou no Brasil entre 2015 e 2020. Hoje, estão presentes em todo o processo: da prevenção ao tratamento.
As healtechs são um desdobramento de uma tendência que já está presente na área médica nos últimos 50 anos, desde a aparição das videocirurgias: a tecnologia como parceira dos profissionais da saúde. Inovação e saúde nadam na mesma raia, são parceiras. Não podemos encarar a tecnologia como inimiga do nosso ofício. Além de tornar os procedimentos menos invasivos, ela pode trazer mais precisão no diagnóstico e no tratamento e trazer mais qualidade de vida ao paciente. Cada vez mais a medicina deverá estar focada na saúde e na prevenção de doenças – e não no tratamento.
Com a consolidação dos procedimentos robóticos, a inteligência artificial deve ser a próxima ferramenta que vai contribuir com nosso trabalho nos próximos anos. Um estudo publicado em maio do ano passado na revista médica The Lancet demonstrou que é possível estabelecer a presença e o grau de agressividade do câncer de próstata em amostras de biopsia através de sistema de inteligência artificial. Após os testes, os pesquisadores chegaram à conclusão de que o programa conseguiu detectar 97% dos casos de câncer de próstata.
Nos próximos anos, novos equipamentos devem chegar ao mercado para melhorar ainda mais o treinamento e apurar a segurança e eficácia das cirurgias enquanto elas estão acontecendo, auxiliando o medico no planejamento e durante a cirurgia robótica. Novamente, repito: não podemos encarar a tecnologia como vilã. Pelo contrário, ela deve melhorar nosso trabalho.
Mas, fora da iniciativa privada, ainda temos um problema a enfrentar: a falta de investimentos em ciência, tecnologia e inovação por parte do poder público. Nos últimos anos, essa área tem sofrido cortes em seu orçamento. Medidas como essa são preocupantes, pois impactam diretamente na formação de cientistas, pesquisadores e profissionais. Começamos a “colher” os primeiros resultados dessas medidas: mesmo sendo uma das 15 maiores economias do mundo, ocupamos o distante 62º lugar no Índice Global de Inovação do ano passado, distante de países como Estados Unidos, Coreia do Sul e Singapura, que estão entre os 10 melhores colocados. Não podemos mais aceitar essa situação.
Imagine como seria interessante se o Brasil pudesse fabricar um aparelho como o robô cirúrgico Da Vinci, que utilizamos cotidianamente nos procedimentos robóticos, proporcionando procedimentos cirúrgicos mais eficazes, com menos incisões. O valor para a aquisição dos equipamentos é alto, custando milhões de dólares, mas os hospitais investem mesmo assim nessa tecnologia porque ela contribui tanto com o trabalho das equipes médicas como também com o bem-estar dos pacientes. É investimento em qualidade.
O Da Vinci é apenas mais um exemplo de ferramentas inovadoras que vêm surgindo nos últimos anos ao redor do mundo e que não conseguimos reproduzir da mesma forma no nosso país. Temos capacidade e know-how para termos vários motores de inovação no Brasil (em Porto Alegre, temos, pelo menos, dois grandes polos de inovação, na UFRGS e na PUCRS), mas precisamos criar uma cultura inovadora em nossa sociedade. As tecnologias exponenciais e a inteligência artificial já são uma realidade e a sociedade precisa acompanhar as transformações que a inovação pode trazer em nosso cotidiano, na nossa saúde. Um mundo 4.0 também exige uma medicina 4.0.
* Urologista, especialista em cirurgia robótica e professor