Por Marcelo Gonzatto
Repórter de GaúchaZH e pai de Mateus, 16 anos, e Daniel, 13
Era inacreditável. Havia poucos meses, o Daniel corria, pulava e brincava como qualquer outra criança de 12 anos. Agora estava ali, sedado, com um tubo na garganta, preso a um leito da UTI pediátrica do Instituto de Cardiologia.
— O que ele precisa é de um coração novo — atestou a cardiologista Estela Horowitz.
Descobrimos a insuficiência cardíaca do nosso caçula no dia 23 de maio de 2018. Depois de alguns dias em que ele reclamava de enjoo e cansaço, fizemos um exame e corremos ao hospital com o resultado. Para compensar os danos provocados provavelmente por uma infecção viral, o coração havia aumentado tanto de tamanho que seus batimentos eram visíveis no peito.
Enquanto ainda tentava recuperar a função cardíaca por meio de um tratamento via oral, a doutora Estela inscreveu o Daniel na lista para transplantes em 20 de agosto do ano passado. Ao todo, foram mais de quatro meses de internação até ele ficar estável a ponto de aguardar em casa – mas com uma série de restrições: sem poder fazer esforço, com quantidade limitada de ingestão de líquidos, cuidados alimentares e uma dezena de remédios para tomar da manhã à noite. É uma rotina cruel para um adulto, imagine para um guri irrequieto.
A espera por uma doação é igualmente angustiante. Pode ocorrer no minuto seguinte, no próximo ano, ou nunca. Todos os dias, tu acorda, abre os olhos e se pergunta: será hoje? Para o Daniel, a notícia chegou às 20h16min de 24 de junho deste ano, justamente quando voltava a piorar. A falta de irrigação sanguínea prejudicava a digestão e provocava enjoos. No exato momento em que tocou o telefone, já havia vomitado tantas vezes que dormia extenuado.
Foram 309 dias de espera até uma família de Chapecó (SC), na hora mais difícil, tomar a decisão de doar os órgãos de alguém que amava. Demonstraram, como tantas outras famílias anônimas e abnegadas fazem, que o transplante é uma joia da civilização: combina ciência e tecnologia de ponta com o que há de mais básico em uma comunidade humana, a solidariedade.
Dois meses depois da cirurgia, o Daniel já voltou a correr, pular e jogar bola com o irmão mais velho como qualquer outro menino graças a profissionais como a doutora Estela, ao investimento em ciência e tecnologia, mas, principalmente, porque existem pessoas que, na hora mais difícil, entendem que o transplante de órgãos é o mais longe que já fomos na nossa ancestral luta pela vida.