Quem define a composição da vacina contra a gripe no mundo todo é a OMS. Em comunicado anual, a entidade informa os vírus com maior chance de circular no Hemisfério Sul e no Norte após analisar amostras enviadas por centros espalhados em 114 países. A diretriz é, então, seguida por laboratórios para nortear a produção de vacinas. As doses são usadas para combater um cenário cruel: todo ano, diz a entidade, a gripe mata entre 290 mil e 650 mil pessoas no mundo.
A "receita" da vacina chega aos laboratórios cerca de nove meses antes da época em que a gripe prevalece – um intervalo de tempo grande, mas necessário para a produção. A fabricação é complicada, são meses para chegar aos pedacinhos de vírus morto que se tornarão a dose a circular na corrente sanguínea das pessoas. No Hemisfério Sul, por exemplo, a composição é definida pela OMS em setembro para que as doses fiquem prontas até o início de abril.
— A vacina ensina o corpo a se proteger, como se o sistema imunológico escrevesse um livro sobre o vírus e o deixasse na biblioteca. Quando o influenza realmente entra no organismo, o sistema imunológico vai à biblioteca, pega o livro e produz o anticorpo com a receita que aprendeu — explica o infectologista Paulo Ernest Gewehr Filho, coordenador do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento.
Mutações do vírus
Infelizmente, não existe uma vacina universal, como a da febre amarela, tomada apenas uma vez na vida. No caso da gripe, há dois problemas: a imunização dura de seis a 12 meses, e o vírus, em especial o influenza A, sofre mutações genéticas em questão de meses. Ele pega um pouco do material genético de seu hospedeiro (porco, ave ou humano) e o mistura ao material genético do ser vivo que o recebe logo depois. Na prática, o vírus muda enquanto pula de galho em galho, o que exige a atualização da vacina.
— O vírus influenza A é muito instável. Por isso, se recomenda que as pessoas se vacinem. A efetividade pode variar, mas é melhor do que não se vacinar — diz o epidemiologista José Cássio de Moraes, doutor em saúde pública pela Universidade de São Paulo (USP).
Pandemias caóticas só ocorrem se o vírus muda muito e de forma rápida. Aí, nem os anticorpos naturais nem a imunização surtem efeito. Mas isso é uma exceção, vale lembrar. A vacina é um dos grandes marcos da medicina moderna. Surgiu no início do século 18, quando o médico britânico Edward Jenner observou que mulheres que ordenhavam vacas com um tipo de varíola eram imunes à variação da doença que atingia humanos. A invenção erradicou a varíola, assim como a poliomielite.
— A vacina não protege contra todos os vírus da gripe, mas protege contra as formas mais graves da doença — destaca Eduardo Sprinz, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor na Medicina da UFRGS.
A proteção surge entre 10 e 30 dias após a aplicação. É por isso que a campanha nacional de vacinação ocorre em abril, mês que antecede o inverno. Neste ano, a mobilização foi postergada devido a um atraso na chegada das doses e ocorrerá entre 23 de abril e 1º de junho. Quem está de fora dos grupos prioritários pode recorrer a clínicas particulares e desembolsar, em Porto Alegre, de R$ 80 a R$ 135 a dose.
Ainda sobre a vacina, nos últimos dias houve relatos de pais que não puderam imunizar crianças entre seis meses e três anos em clínicas particulares. O motivo é que, nas bulas de vacinas produzidas por um laboratório, a indicação era de vacinas para crianças a partir de três anos. Só que, segundo a Secretarial Estadual da Saúde, o próprio fabricante conduziu novos estudos e seguiu a recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de liberar a dose para quem tem mais de seis meses. Só a embalagem que está desatualizada.
— A bula que vale é a do site da Anvisa. As crianças entre seis meses e três anos podem se vacinar — diz Isabella Ballalai, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).