Por mais estranho que pareça a alguém que não é químico, o movimento de um único átomo de hidrogênio de um lado para o outro da molécula pode transformar um ingrediente simples, que ocorre naturalmente no alimento, em uma substância mortal.
O elemento de que estou falando é o ácido graxo trans, ou gordura trans como é conhecida pelo consumidor, principal componente dos óleos vegetais parcialmente hidrogenados. Durante grande parte da minha vida, o ingrediente recebeu destaque em todo tipo de alimentos processados, preparados em confeitarias e restaurantes.
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A descrição "trans" se refere à modificação de um óleo vegetal líquido, como o de milho, para se tornar mais sólido e estável à temperatura ambiente – como acontece, por exemplo, no preparo da margarina. Nesse caso, o átomo de hidrogênio passa de um lado de uma ligação química dupla para o outro, ou seja, em vez de ficarem juntos, passam a se posicionar de lados opostos.
Essa alteração minúscula cria uma substância que hoje é muito conhecida pelo potencial precipitador das doenças cardiovasculares, incluindo enfartes, AVCs e mortes súbitas cardíacas. De fato, a gordura trans é muito mais perigosa que a versão saturada que as pessoas mais conscientes tentam limitar há décadas. Entre seus efeitos mais prejudiciais estão o aumento do colesterol LDL, que entope as artérias, a diminuição do colesterol protetor HDL, danos e inflamação do revestimento das artérias, o que pode desestabilizar as placas arteriais e precipitar um ataque cardíaco ou um AVC.
Um simples aumento de dois por cento nas calorias da gordura trans já pode aumentar o risco de doenças coronárias em até 29%. Substituí-la por versões mais saudáveis, como o azeite extra virgem ou o óleo de canola, pode evitar de 30 a cem mil mortes prematuras por ano, segundo conclusão da Associação Médica Norte-Americana, em 2013.
As regulamentações do governo procuraram minimizar ou eliminar o uso dessas gorduras artificialmente produzidas anos depois que seus danos começaram a ser reconhecidos, em meados da década de 90. Forçados a declarar o volume da substância em seus rótulos, em 2006, muitos dos maiores fabricantes atenderam às exigências do consumidor e reformularam seus produtos, evitando o uso dos óleos parcialmente hidrogenados. No ano que vem, graças à proibição do FDA, eles não serão mais permitidos no preparo dos alimentos industrializados nos EUA.
Michael Jacobson, diretor do Centro para a Ciência em Interesse Público, grupo de defesa do consumidor que há tempos pede a proibição da gordura trans, observou: "Uma pesquisa patrocinada pelo governo concluiu que o produto considerado seguro durante cem anos provou ser a gordura mais perigosa presente nos alimentos".
Para que não haja dúvida da importância do veto ao uso da gordura trans, estudos recentes demonstraram um benefício considerável ao coração e à vida dos moradores de locais onde as autoridades restringiram o uso dos óleos hidrogenados anos atrás.
A Dinamarca foi o primeiro país a agir, proibindo o uso da substância nos alimentos e virtualmente eliminando-a da oferta alimentar nacional em 2004. Em três anos, a decisão já tinha salvado uma média de 14,2 vidas em cada cem mil pessoas por ano, segundo estudo do American Journal of Preventive Medicine.
A partir de 2007, em Nova York, o estado de mesmo nome foi o pioneiro na decisão de proibir a gordura trans neste país. Cientistas do FDA e da Universidade Erasmus, de Roterdã, na Holanda, analisaram os índices de mortalidade nos condados que proíbem a gordura trans artificial, vendida em restaurantes e confeitarias; comparados com os dos locais onde era consumida livremente, descobriram que a restrição evitara 13 mortes por doenças cardiovasculares e representara uma economia de US$3,9 milhões por cem mil pessoas por ano.
Uma análise mais recente também mostrou um declínio inegável nas taxas de doenças cardiovasculares. Ao comparar os condados que proibiram e não proibiram a gordura trans nos estabelecimentos alimentares, o Dr. Eric J. Brandt, membro do setor de Doenças Cardiovasculares da Faculdade de Medicina de Yale, concluiu que, três ou mais anos depois, o número de enfartes caiu até 7,8% e o de AVCs, 3,6% onde o ingrediente não era permitido, ainda que o valor desse segundo não seja estatisticamente significativo.
Em entrevista, Brandt observou que muitos fabricantes a substituíram por óleo de palma, rico em gordura saturada.
–Mesmo quando a saturada substitui a trans, em termos gerais há benefícios – afirma, embora o consumidor mais atento e consciente deva evitar essa versão também, presente no óleo de palma e no de coco.
Brandt começou a se interessar pela gordura trans quando ainda era aluno da Faculdade de Medicina da Universidade Case Western Reserve. Em 2011, publicou um artigo denunciando práticas enganosas de identificação nos rótulos, que poderia levar o público a consumir, sem querer, níveis prejudiciais de gordura trans, descoberta que continua relevante até hoje. As regras de rotulagem do FDA permitem que as empresas indiquem como zero qualquer quantidade do ingrediente menor que meio grama por porção. Assim, a pessoa que consome três porções diárias de alimentos que contenham 0,49 grama de gordura trans cada, rapidamente excederá o limite diário aceitável.
–Na verdade não há 'nível seguro' para o consumo de gordura trans. O melhor é evitar todos os alimentos que contenham óleos parcialmente hidrogenados – resume Brandt. Porém, observou também que, se isso não for possível, o que vale é quanto menos, melhor.
– O Canadá, entre outros países, limita a gordura trans a 0,1 grama por porção. Por que os EUA não fazem o mesmo? – questiona.
Para complicar ainda mais o quadro, há fontes naturais dessa substância, como as carnes e produtos lácteos de animais ruminantes, ou seja, vacas, ovelhas e cabras.
– Ainda não se sabe até que ponto essa versão é ruim; os dados não são claros em relação à versão trans natural, do ponto de vista da saúde. Muitos cardiologistas, porém, recomendam uma dieta baseada em vegetais como opção mais segura – conclui Brandt.
Por Jane E. Brody