A vacina contra a zika que está sendo desenvolvida por cientistas do Instituto Evandro Chagas, em parceria com a Universidade do Texas em Galveston, nos Estados Unidos, mostrou resultados animadores em testes com camundongos, de acordo com um artigo científico publicado na segunda-feira pelo grupo na revista Nature Medicine.
De acordo com o diretor do Instituto Evandro Chagas, o virologista Pedro Vasconcelos, que é um dos coordenadores do estudo, a vacina produzida com o vírus vivo atenuado, com apenas uma dose, foi capaz de induzir o organismo dos camundongos a produzir anticorpos neutralizantes, protegendo-os da infecção.
Leia mais:
Instituto Pasteur mergulha em universo dos mosquitos para combater doenças
– É a primeira vez que se tem uma vacina com vírus vivo atenuado desenvolvida. Os experimentos com camundongos com mosquitos mostraram o que esperávamos: além de proteger os roedores contra uma infecção letal pelo vírus zika selvagem, ela não é capaz de infectar o Aedes aegypti - o que é muito importante para impedir que a doença seja transmitida por via vacinal – disse Vasconcelos.
Diversos outros grupos estão desenvolvendo vacinas, mas todas elas se baseiam na utilização do vírus inativado, ou de fragmentos de DNA do vírus. Segundo Vasconcelos, uma das vantagens de se utilizar o vírus vivo atenuado é que isso possibilita uma imunização eficaz com apenas uma dose.
– Tomamos a decisão de utilizar o vírus vivo porque, ao contrário das vacinas de DNA e de vírus inativado, ela induz a uma resposta imunológica muito forte, permitindo que uma única dose proteja contra o vírus para o resto da vida. Isso é importante porque, do ponto de vista da saúde pública, é muito complicado coordenar uma vacinação que necessite de várias doses de reforço – declarou o virologista.
De acordo com Vasconcelos, neste momento os cientistas estão finalizando os experimentos com primatas, cujos resultados também serão publicados em um artigo científico. Depois da publicação, terão início os testes em humanos, que deverão durar alguns anos.
– Esperamos que no início de maio, no máximo, já tenhamos o artigo sobre os testes em primatas pronto para a publicação. Esses testes são a última fase antes de iniciar os ensaios clínicos em humanos, que esperamos iniciar já no segundo semestre deste ano – explicou.
Camundongos
Para avaliar a segurança da vacina, os cientistas realizaram diversas baterias de testes. Na primeira, para descobrir se a vacina produzia a própria doença, eles utilizaram dois grupos de camundongos - um deles foi inoculado com a vacina e outro com o vírus selvagem.
Seis dias depois, os animais infectados com o vírus selvagem apresentaram alta carga viral em todos os órgãos testados. Os que foram inoculados com a vacina não apresentaram nenhuma carga viral nos músculos e no cérebro e uma baixa carga em outros órgãos.
Dez dias após a infecção, os camundongos infectados com o vírus selvagem mantiveram carga viral no rim, cérebro, olho e especialmente nos testículos. Já nos roedores inoculados com a vacina, não havia mais carga viral detectável em nenhum órgão.
A segunda bateria de testes serviu para avaliar se a vacina poderia causar danos ao tecido nervoso dos camundongos recém-nascidos. Novamente, dois grupos de animais receberam a vacina e o vírus selvagem - mas, desta vez, a inoculação foi feita diretamente no cérebro. Todos os roedores que receberam a injeção com a vacina sobreviveram. Já entre os que receberam a injeção com o vírus selvagem, 25% morreram.
Segundo Vasconcelos, também foram usados camundongos geneticamente modificados para morrerem quando são infectados com o vírus selvagem. Os cientistas inocularam o vírus nesses animais, e todos morreram.
– Um grupo de camundongos vacinados, porém, recebeu 30 dias após a imunização a mesma dose do vírus selvagem que havia sido letal para os animais não vacinados. Nenhum deles morreu, porque já tinham anticorpos. Mostramos que a vacina é inócua e que os animais, além de não morrerem, produziram anticorpos e não tiveram sintomas – explicou Vasconcelos.
Mosquitos
Na última série de testes, os cientistas fizeram dois experimentos para investigar se o vírus atenuado da vacina é capaz de infectar o mosquito Aedes aegypti, que é o principal transmissor da zika.
Um grupo de animais foi inoculado com o vírus selvagem, e outro com a vacina. Depois eles foram expostos separadamente aos mosquitos, para que eles se alimentassem do sangue. O experimento simulou, portanto, a via natural de infecção.
– Nenhum dos mosquitos que se alimentaram do sangue com a vacina desenvolveu infecção. Enquanto isso, mais da metade dos insetos que se alimentaram do sangue com o vírus selvagem ficaram infectados – relatou Vasconcelos.
No último experimento, os pesquisadores inocularam a vacina de vírus atenuado diretamente nos mosquitos. – Mesmo recebendo o vírus vacinal diretamente, nenhum dos mosquitos ficou infectado. Isso nos deu a certeza de que a vacina não infecta o Aedes aegypti com zika.