Um estudo publicado na revista Scientific Reports, sugere que o medicamento antibiótico doxiciclina – usado há mais de meio século contra infecções bacterianas – poderá ser usado também, em doses mais baixas, para o tratamento da doença de Parkinson. Segundo os autores deste trabalho, entre eles brasileiros, argentinos e franceses, esse antibiótico pode diminuir os efeitos tóxicos de uma proteína chamada alfa-sinucleína. Em certas situações, essa proteína se acumula no cérebro e destrói as células do sistema nervoso central.
A morte dos neurônios dopaminérgicos (produtores do neurotransmissor dopamina) é o principal evento relacionado ao desenvolvimento de sintomas como tremores, lentidão de movimentos voluntários e rigidez, entre outros. Não há atualmente fármacos capazes de impedir que esse processo degenerativo progrida.
Descoberta acidental
A descoberta ocorreu de forma acidental por pesquisadores brasileiros, em Ribeirão Preto, SP. Para o estudo do Parkinson em animais de laboratório, os pesquisadores costumam provocar essa doença artificialmente em camundongos, injetando neles uma neurotoxina chamada 6-hidroxidopamina. Uma vez que os camundongos desenvolvem os sintomas, pode-se estudar o efeito de medicamentos neles.
Porém, para surpresa de todos, mesmo sem receberem qualquer tratamento anti-parkinson, dos 40 animais que receberam a toxina, apenas dois desenvolveram sintomas de parkinsonismo, enquanto os demais permaneceram saudáveis. Intrigados com essa tremenda falha no modelo, que já é bem conhecido para esse fim, os pesquisadores foram investigar as possíveis causas disso.
As suspeitas acabaram recaindo sobre a ração com que os animais foram alimentados. Acidentalmente, haviam trocado a ração normal, por uma aditivada com o antibiótico doxiciclina. O grupo repetiu o experimento, desta vez tratando propositalmente os animais com injeções do antibiótico na barriga e novamente os camundongos foram protegidos de desenvolver os sintomas da doença.
O que acontece
A alfa-sinucleína é uma proteína pequena e desordenada que se acumula junto das membranas das células formando fibras com uma estrutura, que se parece com o amido. Por isso são chamadas de fibras amiloides. Essas fibras amiloides são capazes de lesar a membrana dos neurônios.
Os pesquisadores observaram que a doxiciclina interfere na forma como a alfa-sinucleína se ajunta para formar os agregados. Na presença do antibiótico, os agregados de proteína não adquirem a forma amiloide, que é tóxica para as células nervosas.Segundo a pesquisadora Elaine Del-Bel, da Faculdade de Odontologia da USP, em Ribeirão Preto, SP, vários artigos científicos já publicados indicam que os agregados de alfa-sinucleína parecem também estar envolvidos com o desenvolvimento de outras doenças neurodegenerativas, como a demência com corpos de Lewy (DCL) – o segundo tipo mais comum de demência depois do Alzheimer. Estudos futuros poderão investigar se a doxiciclina também pode ter efeito benéfico nessas outras situações.