Tarefas a completar, prazos a cumprir, contas a pagar. Decisões a tomar, compras a fazer, pessoas a agradar. Problemas a resolver, questões a responder, conflitos a remediar. Situações estressantes são tão comuns na vida que nem pensamos mais no quanto isso exige do corpo e da mente com o passar do tempo. Mas chega uma hora em que fica difícil aguentar.
Dá um cansaço...
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O que preocupa – ou deveria – não é aquele desgaste físico, comum após a prática de exercícios, nem o cansaço passageiro, após uma noite maldormida, mas uma fadiga prolongada, crônica, que leva o corpo ao limite e prejudica a realização das atividades rotineiras. É um esgotamento difícil de perceber porque costuma ser visto como "frescura", tratável com uma boa folga no fim de semana. Não é bem assim.
– O cansaço mental é muito pior do que o físico e mais difícil de aliviar. As pessoas não se dão conta de que essa dor é preocupante, mais ainda do que a óbvia, embora também invisível, dor física – define o neurobiólogo americano Daniel Kirsch, presidente do Instituto Americano do Estresse (AIS, na sigla em inglês), em entrevista por e-mail a ZH.
Esse esgotamento tem causas e consequências variadas, que vão de exigências em demasia no trabalho a problemas nas relações interpessoais. E pode se manifestar de diferentes maneiras: seja pelo desânimo sem explicação aparente, pela falta de motivação para fazer atividades antes aprazíveis ou pela vontade de ir embora no momento em que se chega ao serviço. Isso acontece até mesmo em casa. Dores no corpo também são reclamações frequentes: quem chega a um nível extremo de cansaço relata sentir como se todas as suas energias tivessem sido sugadas.
Uma pressão constante
O cansaço se torna uma questão preocupante, inclusive para a saúde, quando fica frequente demais, comprometendo o bom funcionamento do organismo e podendo levar ao surgimento de doenças do corpo e da mente, como depressão e obesidade. Quando a situação se estende por mais de 30 dias seguidos, é recomendado que se procure ajuda especializada.
– Se você teve um dia puxado e está se sentindo cansado ao final da jornada, ok: você foi exigido demais, talvez no limite das suas capacidades cognitivas e físicas. São fatores externos. Quando entram fatores internos, como dormir mal, por exemplo, essa mesma carga de exigência vai cansar mais, é normal. Isso se torna um problema quando vira algo crônico e impacta significativamente na vida do indivíduo – declara Christian Kristensen, coordenador da pós-graduação em psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Para o psicólogo, os efeitos da fadiga têm sido sentidos com mais frequência atualmente, sobretudo entre os jovens adultos. Estar sempre conectado – e, aparentemente, disponível – leva a uma quebra da distinção entre vida laboral e pessoal, abrindo caminho para mais situações de esgotamento:
– É uma pressão constante. O que vemos hoje como algo normal é, na verdade, relativamente novo. Uma geração atrás, existia uma divisão mais clara entre a vida profissional e a pessoal. Essa é uma fronteira que sumiu. Quantos de nós estamos com os filhos e, ao mesmo tempo, atentos a alguma mensagem, algum e-mail relacionado ao trabalho?
Cansaço também faz bem
O cansaço, acredite, faz bem. Quando físico, pode ser tanto um sinal do corpo de que chegou a hora de parar quanto um indicativo de que o exercício foi proveitoso. Quando mental, em pequenas doses, significa que o cérebro é capaz de ser instigado o suficiente para reagir a situações de estresse – algo fundamental, inclusive, para a sobrevivência. Um estado de paz absoluta talvez até seja atingível, mas parece inalcançável para qualquer pessoa que precise dar conta de compromissos e imprevistos.
– Para quem não escolhe viver solitariamente em uma montanha, o estresse não pode ser evitado. E isso é bom. Precisamos reagir a situações de risco para sobreviver – descreve Kirsch.
O segredo para que o cansaço mental não chegue ao ponto da exaustão está em saber lidar com os problemas. Se é inevitável passar por decepções durante a vida, é fundamental também conseguir resolvê-las e superá-las: remoer pensamentos ruins e cobrar-se por não ter tomado alguma atitude diferente no passado são alguns dos comportamentos que podem levar a mente à exaustão.
– É importante que cada pessoa busque verificar quais as mudanças que está percebendo em seu cotidiano, em seus comportamentos, suas emoções, pensamentos e relações sociais. São através desses elementos que ela irá verificar se existem, e em que grau, esses estados de esgotamento e quais as consequências deles em sua vida – afirma a psicóloga Simone da Silva Machado, coordenadora do Núcleo de Terapias Cognitivas (NEAPC).
Mesmo as atividades mais banais precisam ser levadas com cautela. Enfrentar trânsito ou filas tende a ser irritante, mas o corpo vai reagir de forma diferente quando enfurecer-se, em vez de resignar-se, passa a ser o mais comum.
É importante, também, não procurar evitar o cansaço – o que pode ser uma atividade exaustiva em si mesma. É difícil fugir dos problemas, e situações de estresse vão acontecer em algum momento. Aquelas contas, afinal, precisarão ser pagas. Organizar-se para reagir da melhor forma a esses cenários é o que faz a diferença.
Para não adoecer
O cansaço é ponto de partida ou agravante para uma série de doenças. Independentemente da causa, a fadiga crônica pode levar o corpo e a mente ao limite. Nos momentos de pico, o coração bate mais forte. Os músculos se tensionam. A respiração acelera. O estômago se agita. A pressão do sangue pode aumentar, e a imunidade, diminuir, abrindo caminho para gripes, resfriados e uma série de outras infecções, além de complicações cardíacas.
A lista de problemas causados pelo esgotamento é numerosa. De acordo com o Instituto Americano do Estresse, é difícil pensar em qualquer doença que não possa ser agravada, qualquer parte do corpo que não possa ser afetada pelo cansaço extremo.
– Acontece de a pessoa ficar negando a situação e só buscar uma ajuda médica tardiamente, quando realmente chega ao último grau de esgotamento. A fadiga pode esconder um problema ainda mais grave de saúde que tenha levado a esse estado. Ou pode ser o problema em si, exigindo diagnóstico e tratamento – aponta Sergio Brodt, chefe do serviço de medicina interna do Hospital Moinhos de Vento.
Os riscos de longas sessões sem repouso são enormes. No Japão, uma em cada cinco empresas tem funcionários que trabalham exaustivamente, a ponto de terem suas vidas em risco, de acordo com um relatório do governo sobre esse fenômeno apresentado neste mês. O país registra, anualmente, centenas de mortes por exaustão.
As estatísticas poderiam ser diferentes se as companhias e os próprios trabalhadores respeitassem a necessidade de fazer intervalos e de aproveitar melhor os momentos de descanso – de preferência, também desconectando a mente do trabalho quando o corpo já não está mais lá.
Não basta se deitar
Parece que todo cansaço se cura com uma boa noite de sono. A verdade é outra. Para quem sofre de um esgotamento crônico, deitar-se na cama pode ser um pretexto, ainda que involuntário, para pensar sobre todos os problemas daquele dia – e da semana, e do ano.
O sono até vem, mas não é reparador. A pessoa acorda cansada. Nesses casos, mesmo a parte do dia que deveria ser totalmente dedicada ao descanso acaba não sendo bem aproveitada.
Para realmente descansar, não basta que o corpo esteja em repouso: é preciso que a mente também fique relaxada. As horas que antecedem o sono deveriam ser usadas como um preâmbulo ao descanso, uma folga para a mente deixar de lado as questões críticas e ter a chance de garantir uma reparação.
– O desgaste excessivo sem o sono reparador, ou com um sono de má qualidade, em que a pessoa acorda diversas vezes durante a noite, não serve para que ela se recupere – afirma o médico Sergio Brodt.
Se deitar na cama contribui para que o corpo relaxe, livrar-se de pensamentos que atormentam a mente funciona como o equivalente cerebral de uma boa cama. A isso, soma-se também a recomendação de manter interações sociais que não tragam mais tensões – portanto, quando em estado de esgotamento, nada de visitar alguém de quem não se gosta. Manter-se em contato com familiares e amigos, ainda que não seja em busca de ajuda para os problemas, também é uma atividade útil para desestressar.
Uma dica preciosa
Na busca por momentos de lazer, há um detalhe que costuma passar despercebido: é preciso achar uma maneira de relaxar que não remeta ao trabalho. Para quem passa o dia em frente ao computador, encontrar a diversão diante de outras telas torna difícil para o cérebro perceber que, naquele momento, a pessoa não está trabalhando. Nesses casos, o indicado seria buscar algum exercício ao ar livre, por exemplo.
Da mesma forma, quem passa boa parte do dia envolvido em atividades físicas deve procurar maneiras de descansar o corpo – seja lendo, pintando, jogando. Pense nesses momentos de lazer como curtas, mas necessárias férias para você e seu organismo.
* Zero Hora