Ninguém tem dúvidas da importância dos exercícios físicos para o próprio bem-estar. O fortalecimento dos músculos é fundamental para a funcionalidade do organismo, o condicionamento aeróbico, a proteção dos ossos e das articulações e a melhora do metabolismo. Além de que, claro, bíceps, tríceps, quadríceps e glúteos tonificados também melhoram a autoestima frente ao espelho.
O que grande parte da população não sabe é que o corpo humano tem grupos musculares mais profundos, que nem sempre podem ser exibidos – mas que, igualmente, devem ser trabalhados. O assoalho pélvico é uma dessas musculaturas que precisam ser exercitadas para não perder a força. Afinal, ela é responsável pela sustentação de vários órgãos, pela continência urinária e fecal, e ainda contribui para a qualidade nas relações sexuais – motivos de sobra para botar essa região para trabalhar, não?
Para começo de conversa, é bom saber onde fica esse tal de assoalho pélvico. Não é difícil: o fundo da bacia (pelve óssea) termina em uma cavidade afunilada, chamada cavidade pélvica, onde estão órgãos como bexiga, próstata e reto. O fundo desse funil é fechado por uma espécie de cama elástica, o assoalho pélvico, formado por cerca de 13 músculos, auxiliados por fáscias (tecidos) e ligamentos.
Nos homens, o enfraquecimento dessa estrutura não é tão comum e geralmente está associado a cirurgias urológicas (em casos de câncer de próstata, por exemplo). Já nas mulheres, esse assoalho tem um orifício a mais, o canal vaginal, que o torna mais frágil. Além disso, fatores como gestação, menopausa (em função da redução do estrogênio) e características hereditárias propiciam a disfunção do grupo muscular.
– Podemos estimar que cerca de 20% das mulheres brasileiras, se considerarmos todas as idades, sofrem de algum problema decorrente do enfraquecimento do assoalho pélvico. É um quadro bem comum, que começa principalmente a partir dos 30 anos. Se pegarmos a população feminina acima de 80 anos, quase a totalidade convive com a incontinência urinária – afirma Nelson Batezini, urologista do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Dificuldade de segurar o xixi não é normal nem na velhice
A impossibilidade de segurar o xixi ao espirrar, tossir ou rir é uma das principais indicações de que a musculatura da região está sem força e não consegue mais sustentar a uretra. Não é um sintoma que, necessariamente, oferece um risco maior à saúde da mulher – mas reduz a qualidade de vida, trazendo um grande prejuízo social. Não são poucos os casos de pacientes que chegam aos seus médicos queixando-se que não costumam ingerir líquidos quando saem de casa e que ficam sempre rastreando o banheiro mais próximo.
– Existe a mística de que perder urina é normal com a chegada da velhice. É um erro. Perder urina não é normal em nenhuma fase da vida, com exceção de quando se é bebê. Se forem levadas em conta todas a mulheres que não sabem que isso é um problema e as que têm vergonha de falar com seus médicos sobre o assunto, só comentando quando chegam a estágios crônicos, podemos imaginar que o percentual feminino que sofre com a incontinência urinária é bem maior – complementa Batezini.
De acordo com a fisioterapeuta Patrícia Viana da Rosa, professora de Saúde da Mulher na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFSCPA), não há idade para dar importância ao conhecimento e à prevenção da disfunção desta parte "escondida" do corpo.
– São muitas as crianças com problemas de eliminação de urina e fezes, tarefas que podem estar diretamente relacionadas com o assoalho pélvico. Nossa tarefa é trabalhar com a orientação de exercícios próprios para a região, que são bastante simples e envolvem a contração e o relaxamento dos músculos – explica a especialista em Fisioterapia Pélvica.
Como fortalecer
Além da incontinência urinária, fecal e de gases, o enfraquecimento do assoalho pélvico pode ainda estar ligado à ejaculação precoce nos homens e, nas mulheres, à impossibilidade ou dificuldade de se atingir o orgasmos e a dores na relação sexual. Em casos mais graves, por lesão ou fraqueza, essa musculatura pode se tornar incapaz de segurar órgãos, que descem de suas posições, originando o prolapso genital (útero caído ou bexiga caída).
Toda a base do tratamento fisioterapêutico está no fortalecimento desta estrutura a partir da cinesioterapia, que compreende exercícios para a normalização do tônus muscular. A técnica, que pode ser realizada sozinha ou com o uso de bola suíça (aquela utilizada no pilates), cones vaginais, eletroestimulação (que ensina a mulher qual musculatura deve ser contraída) e biofeedback (instrumentos que monitoram a contração muscular), consiste em um tratamento conservador para a incontinência urinária e até a prevenção de enfermidades do assoalho pélvico.
As sessões de fisioterapia pélvica podem ser semanais e, em casos mais complexos, ocorrerem duas vezes por semana. Grande parte dos pacientes sente resultados com quatro sessões, podendo dar prosseguimento ao tratamento em casa.
– Existe também uma parte comportamental que associamos às técnicas. Orientamos os pacientes a evitar tomar líquidos após as 20h e restringir alimentos que irritem a bexiga, como bebidas cafeinadas, cítricos e chocolate. A fisioterapia pélvica é uma das primeiras linhas de tratamento e pode ter 100% de resultado – acrescenta a fisioterapeuta Patrícia Viana da Rosa.
Pacientes com bexiga hiperativa (aumento da frequência urinária) e com urgência miccional (necessidade súbita de ir ao banheiro) ainda podem recorrer ao uso de medicamentos após a tentativa do tratamento fisioterapêutico – remédios, no entanto, não ajudam a incontinência urinária relacionada à força do assoalho pélvico. Quando todos os métodos falharem, ou quando o paciente não deseja passar pelo tratamento conservador, é recomendada a cirurgia de correção urinária.
Na gestação, atenção especial
O fortalecimento do assoalho pélvico está entre as primeiras recomendações que uma grávida ouvirá do médico escolhido para acompanhar o seu pré-natal. Os motivos são vários: além de a musculatura ter de suportar pelos próximos meses um peso maior, o do bebê, ela também estará sujeita a um estiramento no momento do parto normal.
Exercícios específicos para a região, realizados durante toda a gravidez, podem evitar lesões na musculatura, reduzir dores lombares e a incontinência urinária nos seis primeiros meses após o parto, e ainda facilitar o nascimento do bebê.
– Saber fazer contrações e relaxamentos facilita o trabalho de parto no chamado segundo período, que é o expulsivo. Mas é importante lembrar que a gestação por si só já é fator de risco para incontinência urinária e prolapsos genitais, que, estima-se, atingem 30% da população em algum grau – avalia Ana Selma Picoloto, ginecologista e obstetra do Hospital de Clínicas do Porto Alegre e do Hospital Fêmina.
Vida sexula com mais prazer
O controle do movimento do assoalho pélvico pode levar mulheres a ter maior satisfação sexual, proporcionando mais facilidade para se chegar ao orgasmo.
O domínio da contração voluntária (por vontade própria) desta musculatura requer prática e treino. Uma das técnicas mais comuns quando o objetivo é a melhora no desempenho sexual é o pompoarismo, que consiste na introdução de cones e bolinhas de metal ou plástico na vagina. Elas assumem a função de halteres, auxiliando no desenvolvimento da força e do controle motor dos músculos. A base dos exercícios originários da Ásia é a mesma dos exercícios usados em tratamentos fisioterápicos ou em protocolos médicos, como o que o ginecologista norte-americano Arnold Kegel criou nos anos 1940 (os "exercícios de Kegel").
Pratique
Exercícios para o assoalho pélvico podem ser feitos em casa, mas é importante procurar a ajuda de um profissional, pelo menos inicialmente, para garantir que sejam bem compreendidos e executados de forma correta.
Deite com a barriga para cima e dobre os joelhos
Respire profundamente e contraia o assoalho pélvico
Afaste o bumbum do chão lentamente, até que as costas não tenham mais apoio
Fique fora do chão por três segundos enquanto contrai o assoalho
Volte devagar para o chão, começando pelas costas
Repita o movimento 10 vezes. Descanse e repita a série três vezes
Fique em quatro apoios
Inspire empurrando as costas para cima, como um gato, e, murchando a barriga, contraia o assoalho pélvico
Fique alguns segundos prendendo a respiração, na mesma posição, e contraindo o assoalho
Expire estufando a barriga e estirando as costas
Repita o movimento 10 vezes, descanse e repita a série três vezes
Deitada (para iniciantes), sentada ou em pé (para quem busca um desafio maior)
Respire lenta e profundamente
Contraia o assoalho com a maior força possível por dois segundos
Relaxe por oito segundos
Repita por 10 vezes