Tenho sentido medo do futuro. Sinceramente, tenho sentido muito medo. Não medo de morrer ou de ficar doente. Meu medo é de permanecer lúcida tempo suficiente para ver o que será do planeta daqui a 20 ou 30 anos. Falo do clima, do excesso de lixo, da miséria, do desemprego, da desonestidade. Mas me refiro principalmente às relações. Já pensou sobre o que será das relações interpessoais daqui a um tempo?
Hoje, a tolerância é quase zero. As pessoas se estressam por muito pouco, a condescendência virou artigo de museu, a gentileza caiu em desuso.
Podemos pensar que daqui a décadas estaremos velhinhos e, talvez, com a sabedoria que só o tempo traz, tudo isso irá mudar. Mas já pensou que a geração que vai ser adulta nessa mesma época será composta pelas crianças de hoje? E que nós somos seus exemplos?
Me preocupo com crianças que têm como referência adultos que param em fila dupla, passam sinal vermelho, não param na faixa de pedestre, jogam lixo pela janela do carro, não separam o lixo, dão presentes no lugar de presença, humilham o garçom, estacionam na vaga de cadeirante, xingam o porteiro, fazem intriga pelo WhatsApp, espalham mentiras, tentam derrubar o adversário em vez de tentar superá-lo, fazem pouco caso do esforço dos outros, não compartilham, inventam desculpas para suas falhas e para as falhas de seus filhos, não ajudam quem precisa, são estúpidos com os humildes, desencorajam os ousados, trapaceiam, falam mal pelas costas, exigem dos outros o que não fazem, debocham, ludibriam, são desleais, arrogantes e impulsivos.
Se hoje já percebemos a liquidez das relações, imagine daqui a mais um tempo. Quem é que terá paciência para conviver? Para deixar seu egocentrismo em segundo plano e abdicar de sua soberania?
Nossos filhos são filhos e filhas da era do "Vou te processar", do "Tô pagando pra isso", do "Se não fizer como eu quero, vou procurar outro lugar". Não serão eles, com comportamentos assim cristalizados na memória, que modificarão alguma coisa. É preciso começar agora, começar por nós mesmos.
Antes de pensarmos em um mundo melhor para os nossos filhos, será que não é hora de pensarmos em filhos melhores para o nosso mundo?