O inverno mal deu as caras, e o número de mortes decorrentes da infecção pela gripe A no Rio Grande do Sul já se revela o maior desde 2009 – são 135 casos, conforme o último levantamento da Secretaria Estadual de Saúde. E, apesar de quase a totalidade da população dos grupos de risco estar imunizada, autoridades da saúde não descartam que o índice de óbitos se aproxime do registrado naquele ano, quando o maior surto do H1N1 fez 298 vítimas no Estado.
Para epidemiologistas da secretaria, o pico da doença ocorreu há pouco mais de um mês, quando foram confirmadas 26 mortes por gripe A em apenas uma semana. A partir de então, a curva mostrou queda, e a expectativa do órgão é de que, até o fim do inverno, a média semanal fique entre oito e nove óbitos em decorrência do vírus Influenza. Na melhor das hipóteses, portanto, o balanço final da gripe A em 2016 deverá ser de 235 mortos no Estado. Mas o secretário estadual da Saúde, João Gabbardo dos Reis, faz uma ponderação:
– Ter 95% da população dos grupos de risco vacinadas nos dá uma segurança. Espera-se que não haja tantos casos complexos, que podem levar à morte. Mas trabalhamos sobre projeções. Não é possível garantir nada, porque a circulação do vírus tem um comportamento inesperado. O exemplo é o fato de ele começar a circular bastante cedo neste ano.
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Para o professor de Infectologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Luciano Goldani, a infecção pode deixar uma quantidade de vítimas além do esperado por dois motivos. Nos dias mais frios, as pessoas costumam ficar mais confinadas, contribuindo com a circulação do vírus. O médico destaca que o H1N1 tem provocado morbidades e mortalidade não apenas nos grupos de risco.
– A cepa é a que causa mais complicações em pessoas comprometidas. Só que há um agravante: ela tem causado a morte, inclusive, de jovens sadios. Então, apesar de os grupos de riscos estarem vacinados, existe um universo ainda maior, que é o de pessoas não imunizadas, o que pode levar a um súbito aumento no número de óbitos – explica.
E a notícia não é boa para quem ainda não se vacinou: de acordo com Gabbardo, é "impossível" que os postos de saúde recebam novos lotes de vacina contra a gripe. O Ministério da Saúde já informou não ter mais doses para distribuição, e o Estado reserva as últimas para a segunda etapa de vacinação de crianças e para gestantes e idosos que precisem da imunização. Zero Hora consultou três clínicas de vacina em Porto Alegre, e todas afirmaram não ter doses contra a gripe já há mais de um mês. Também não há previsão de reabastecimento do estoque.
Sem vacina, a saída são os antivirais
Acostumada a se vacinar a cada véspera do inverno, a representante farmacêutica Daniela Rabaldo, 33 anos, deixou o costume de lado neste ano. "Não deu outra", como ela mesma diz: foi diagnosticada com gripe A no início de abril. Mal havia retornado das férias no Exterior quando sentiu os primeiros arrepios e o mal-estar. Achou que pudesse ser consequência das longas horas de voo. Mas, em seguida, vieram a febre e as dores nas articulações. Foi ao médico e saiu com a receita do oseltamivir (Tamiflu), utilizado no tratamento.
Exames realizados no mesmo dia confirmaram o diagnóstico, e o caso foi notificado à Secretaria Estadual de Saúde. Foram cinco dias de isolamento. A febre custava a baixar dos 40ºC, aumentando o temor de que o quadro pudesse evoluir para uma infecção mais grave – Daniela tem asma e rinite alérgica. Sentiu-se melhor apenas duas semanas depois.
– Não fico mais sem me vacinar. O mal-estar provocado é terrível, não desejo para ninguém. Parecia que eu tinha 20 dedos nas mãos de tanta dor, de tanta pressão e desconforto que sentia – conta, garantindo que “aprendeu a lição”.
Diante da falta de vacinas e da imprevisibilidade da atuação do vírus (não se sabe o que leva a uma cepa substituir outra, nem o porquê de em um ano a circulação ser mais intensa do que no outro), a recomendação da secretaria é de que a população intensifique os cuidados com a gripe. Além disso, há um telefone de orientações médicas em casos da doença, parceria do governo com a UFRGS (0800-645-3308). Gabbardo acrescenta que o oseltamivir é oferecido gratuitamente para casos graves. Para o infectologista Luciano Goldani, a disponibilização do antiviral é a única arma para enfrentar o vírus:
– Deveremos ser agressivos do ponto de vista da administração do medicamento, que pode ser utilizado tanto no tratamento quanto na profilaxia (prevenção). Se não tem vacina, só temos uma saída, que é dar acesso ao antiviral e, sobretudo, ao atendimento médico. O sistema de saúde público terá de ser eficiente no atendimento dos que mais precisarem.