Matheus Bitencourt Lazaretti veio ao mundo três vezes. A primeira foi na Santa Casa de Caridade, em Bagé, na Campanha, em 11 de abril de 2006. Desde o nascimento, não conseguia mamar direito. Ficava molhado de suor, com falta de ar e os pés gelados, sinais que levaram a mãe, a manicure Cristina Barcelos Bitencourt, 46 anos, a procurar ajuda médica.
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Levou o menino ao pediatra, que disse que estava tudo bem. Não satisfeita, procurou ajuda de um segundo profissional, que suspeitou de uma doença cardíaca. O pequeno foi a um cardiologista, que o encaminhou com urgência para Porto Alegre.
Com o bebê nos braços, Cristina viajou 400 quilômetros até a Capital. Chegou ao Instituto de Cardiologia, onde já havia acompanhado duas cirurgias do filho mais velho, hoje com 25 anos, também vítima de problemas cardíacos. Matheus teve de ser avaliado durante 10 dias para que a equipe confirmasse o diagnóstico: miocardiopatia hipertrófica, doença rara que aumenta a espessura das paredes do coração, causando obstrução na passagem do sangue. Nesse caso, nenhuma cirurgia seria possível.
– Falaram que só um transplante o salvaria e que ele não tinha muito tempo de vida – relembra.
Enquanto o filho estava na fila por um novo coração, a angústia da mãe tinha duas fontes: o medo de que o bebê não suportasse aguardar e o sofrimento por ter de esperar a morte de outra criança para salvá-lo.
– Ninguém quer perder um familiar, mas a gente esperou uma perda para salvar a vida do filho da gente. Infelizmente é isso.
Às 23h30min de 5 de dezembro de 2006, uma médica telefonou à manicure para contar que havia um coração disponível para Matheus, o que os fez correr para a Capital, onde chegaram às 4h30min. O sim para a doação veio de uma família de Caxias do Sul, que perdeu a filha de dois anos. O órgão da pequena começou a bater no corpo do bageense em 6 de dezembro de 2006. Foi assim que ele nasceu pela segunda vez, em uma sala cirúrgica do Instituto de Cardiologia.
Matheus entrou para a história do Estado como o primeiro bebê a sobreviver a um transplante de coração. Se pudesse ter contato com a família doadora, o menino teria um único desejo:
– Agradecer – diz Matheus, timidamente.
Depois do procedimento de sucesso, Matheus passou a ser o "mascote" do Instituto de Cardiologia, que completa 50 anos neste ano.
– O caso do Matheus é um sucesso, a gente tá muito feliz que deu tudo certo. Ele é uma pessoa muito importante para nós, que a gente acompanha a vida inteira – afirma a enfermeira coordenadora de Transplantes Cardíacos do Instituto de Cardiologia, Lidia Lucas Lima.
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Em 2013, aos sete anos, Matheus teve de nascer pela terceira vez. Tinha recém protagonizado uma campanha nacional pela doação de órgãos, em que apareceu em vídeo e cartazes do Ministério da Saúde, quando começou a sentir dores de barriga. Em setembro, foi diagnosticado com doença linfoproliferativa pós-transplante, um tipo de câncer.
– É um nome complexo para uma doença semelhante a um linfoma, que acontece em pacientes que usam remédio para baixar as defesas por muito tempo, como os transplantados – explica Mariana Bohns Michalowski, professora de Oncologia Pediátrica da UFRGS.
Matheus foi internado no Hospital de Clínicas por dois meses para quimioterapia. Passou pelos procedimentos com maturidade: por ter vivido uma rotina de atendimentos médicos, dava força às outras crianças que conheceu na oncologia.
– Tinha uma menina que teve câncer depois de um transplante de medula, que ficou muito amiga do Matheus. Ela dizia que só ele era capaz de fazê-la rir – lembra Cristina.
A amiga não resistiu à doença, mas Matheus conseguiu nascer de novo, em um terceiro hospital. Ontem, quando pisou na recreação da oncologia, seu local preferido durante a internação, o menino parou por alguns segundos na porta. Chorou um pouco, secou as lágrimas com as duas mãos e ingressou na sala ao lado da mãe.
– É comum as crianças chorarem quando voltam aqui, pois relembram do que passaram. O Matheus era um paciente que necessitava brincar, levava jogos para o quarto, acho que isso deu força para ele – afirma Paula Eustáquio, pedagoga do local.
Embora Matheus tenha vindo a Porto Alegre apenas para uma consulta de rotina, ficou internado no Hospital de Clínicas para tratar uma pneumonia. O desejo da mãe é que ele consiga comemorar o aniversário em Bagé, na próxima segunda-feira.