Dois rótulos polarizados dominam os discursos sobre o cenário político do Brasil desde a eclosão da crise: seja na internet, à mesa com a família ou no happy hour com os amigos, coxinhas e petralhas trocam acusações, empurrando para o outro lado a culpa por "tudo o que aí está", enquanto reivindicam para si o melhor jeito de conduzir o país. O resultado é frustrante: diante de ânimos acirrados e conversas marcadas pela intolerância, relações profissionais, laços familiares e amizades de longa data se veem prejudicados _ e o país continua na mesma.
Restabelecer e preservar relações em momentos de divergência não é fácil. E o que torna isso possível passa bem longe de evitar conflitos, mas exige uma mudança de perspectiva de quem está envolvido neles.
– Coxinhas e petralhas se importam profundamente com o bem-estar do país, e estão revoltados com os políticos por seus comportamentos. Esses valores são compartilhados, mas o que estamos vendo é que pessoas estão, muitas vezes, procurando ganhar. Focar menos nas personalidades e mais nas ações nos permitiria entender o que está acontecendo para saber o que queremos fazer em seguida – explica o educador e mediador Dominic Barter.
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Procurar pontos em comum e praticar a empatia (colocar-se no lugar do outro para tentar entender seus sentimentos) estão nos princípios da Comunicação Não Violenta, processo de pesquisa contínua desenvolvido pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg nos anos 1960 e trabalhado desde os anos 1990 por Barter, que presidiu o Centro Internacional de Comunicação Não Violenta entre 2012 e 2015. Colocá-la em prática pode ajudar as pessoas a se relacionarem melhor consigo e com outros, e também contribuir para a resolução de conflitos sociais de origens diversas.
Relações mais horizontais
Precursor dos Círculos Restaurativos no Brasil, encontros que começaram reunindo diferentes atores de conflitos nos morros cariocas para promover o diálogo e hoje ocorrem em outras cidades, escolas e empresas brasileiras, Barter destaca que a Comunicação Não Violenta não é apenas um modo de falar. Envolve o processo comunicacional como um todo e visa à construção de pontes que possibilitem o diálogo e a cocriação de uma realidade melhor para os envolvidos, baseada em relações mais horizontais.
Se os objetivos soam óbvios, comunicar-se de maneira não violenta é um desafio maior do que parece. Isso porque, explica o inglês radicado no Brasil, somos fruto de uma cultura de aversão ao conflito. E a consequência de não sermos, desde sempre, estimulados a lidar com impasses, traduz-se em violência.
– A violência vem da nossa procura de ser ouvido, visto, valorizado. Usar disso é uma grande tentação, porque é uma forma muito eficaz de chamar a atenção na nossa sociedade, mas suas consequências são terríveis. Abraçar o conflito é parar de fugir dos momentos de tensão e virar-se para o outro, reconhecer-se nele e entender que estamos juntos naquela situação.
A percepção é compartilhada pela psicóloga Denise Falcke, especialista na terapia de casais e família, na qual muito do que é, de certo modo, sistematizado pela Comunicação Não Violenta é trabalhado com seus pacientes. A profissional, que atua na área há quase 20 anos, destaca que um dos maiores problemas nos relacionamentos familiares se mostra na dificuldade em estabelecer diálogos nos quais as pessoas estejam dispostas a ouvir e compreender o outro da mesma forma que gostariam de ser percebidas.
– Temos de ter a oportunidade de fala e de escuta. As pessoas acham que, quando se pensa diferente, não se fala sobre isso. Mas evitar o diálogo não é uma oportunidade de negociação, de crescimento – avalia Denise.
Para ela, quem toma uma atitude agressiva sofre tanto quanto sua vítima. O primeiro passo para aprender formas não violentas de se comunicar, acredita, é o autoconhecimento. Tendo consciência dos próprios sentimentos, defende, é possível aprender a usá-los melhor em favor das relações.
– As pessoas têm dificuldade de manejar suas emoções e descontam nas relações. O problema não são as emoções, é o uso que se faz delas. Cada um tem de descobrir o seu jeito – aconselha a psicóloga.