A ciência por trás de fazer nada foi o tema principal do livro do neurocientista americano Andrew Smart, Autopilot: The Art & Science of Doing Nothing (em tradução livre Piloto-Automático: a Arte e a Ciência de Fazer Nada).
Conforme sugere o nome da obra, devemos, como os pilotos de avião, deixar que nosso cérebro seja governado por ele mesmo, sem precisar controlá-lo. No piloto-automático, os comandantes podem ter mais tempo, energia e foco para as tarefas mais exigentes, como o pouso e a decolagem.
O pesquisador, hoje radicado na Suíça, explora não o ócio, mas o bem que a ociosidade faz para o cérebro. Seria a antítese da ocupação, que, em demasia, é ruim para o órgão e pode trazer consequências sérias para a saúde. Além disso, segundo Smart, estar sempre atarefado, ou agitado, destrói a criatividade, o autoconhecimento e o bem-estar emocional.
Para o autor, cientificamente falando, nossa jornada de trabalho e constante agitação é incompatível com o cérebro. No livro, Smart argumenta que os momentos de criatividade, seja ela artística, científica ou emocional, surgem quando temos a chance de fazer absolutamente nada, sem horários para cumprir ou preocupações, quando deixamos nossa mente vagar. Na obra, ele menciona a história de que Newton propôs a Lei da gravitação universal após ver uma maçã cair, enquanto contemplava o mundo lá fora.
"Essa 'falta de atividade' de Newton poderia indicar ao setor de recursos humanos, hoje em dia, que ele não era um funcionário confiável", descreve Smart.
É cultural a obsessão por uma vida ocupada?
O ócio era um dos pecados no cristianismo e, para os gregos, também havia um aspecto moralista que esperava que as pessoas estivessem sempre ocupadas e produtivas. As pessoas temem ficar ociosas ou desfrutar do ócio porque é um tabu, especialmente nas culturas ocidentais. Recentemente, se tornou uma situação extrema em que, até mesmo para manter um emprego, é necessário trabalhar intensamente. Houve uma transição: antes essa cobrança social servia para evitar a ociosidade e a preguiça. Agora, é uma obsessão extrema.
Com seu livro, você queria conscientizar as pessoas sobre a necessidade de parar e fazer nada?
O que eu queria fazer era trazer essa ideia do default mode network (em português, rede neural em modo padrão) para uma audiência mais ampla. Esse conceito é muito conhecido entre os neurocientistas e é bastante discutido. Para leigos, é difícil assimilar que, quando você para de se ocupar, seu cérebro passa a ficar mais ativo e organizado. Ele entra em um estado próprio para processar suas emoções e é nesse momento que se torna criativo: quando você se permite fazer nada, essa rede se torna muito mais ativa. Eu quis contrastar isso com a nossa cultura de glorificar a ocupação constante, e mostrar como isso é prejudicial a nossa saúde. Quando você está muito ocupado e agitado, você está suprimindo a atividade no default mode network. As evidências que estão surgindo mostram que isso é prejudicial para a saúde do cérebro e do coração.
O que efetivamente você pretende dizer com fazer nada?
Isso é muito individual. Há um grupo de pessoas que realmente são muito ativas, e é difícil que consigam relaxar. O importante é remover o máximo que puder de compromissos da sua agenda. Se há momentos no dia em que não há obrigações e você usar esse tempo para deixar sua mente viajar, é comprovado que o default mode network fica ativo. Se você pensar em uma escala em que de um lado está o sono profundo e no outro está a agitação total depois de tomar muita cafeína, no meio disso há estados em que permanecemos por muito pouco tempo durante nossas vidas e são muito benéficos. Há estudos que mostram que, quando olhamos para uma obra de arte inspiradora, também há aumento de atividade no default mode network. Quando você se conecta com as coisas sem que essa ação seja parte de uma tarefa, ou da sua lista de afazeres ou de um objetivo concreto, é o estado de liberdade. O segredo é permitir-se tempo para isso.
A meditação também funcionaria?
Há uma polêmica entre meditação e deixar simplesmente a sua mente vagar. Algumas pessoas acreditam que deveríamos deixar nossos pensamentos livres, e outras creem em uma meditação mais centrada. Mas há, também, os movimentos de mindfulness. O que eu defendo é permitir que seu cérebro faça as coisas que quer fazer. Mindfulness e meditação são maneiras de controlar o cérebro. Deixar o cérebro chegar nesses estados de relaxamento é muito bom, mas inicialmente podem ser bastante desconfortáveis.
Por que parece tão difícil deixar a mente livre?
Estamos muito desacostumados com isso. Pode ser parecido com a sensação de quem começa a meditar, você não sabe se está fazendo a coisa certa, começa a julgar os seus pensamentos e se dá conta que fez aquele julgamento. Você fica ansioso tentando relaxar. Estamos tão acostumados a nos ocupar o tempo todo que se tornou estranho ficarmos sozinhos com nossos pensamentos. Não fazemos isso nunca. É como praticar exercícios físicos: a partir do momento que pegamos o ritmo, a sensação é muito boa. Quando você está sempre ocupado, reprime emoções e não as processa. Sozinho em um quarto, esses pensamentos e sentimentos começam a surgir. E tudo aquilo que tentávamos evitar agora não podemos mais, porque estamos sozinhos pensando, não há uma estimulação instantânea para fazer aqueles sentimentos irem embora.
Devemos planejar menos, então?
Somos muito bons em planejar, e é assim que chegamos aonde chegamos, mas nosso cérebro não foi feito para isso em tempo integral. O ideal é fazer um bom planejamento, mas deixar tempo livre para simplesmente ver o que acontece.
Uma jornada de trabalho de oito a 10 horas é adequada?
É demais. Há basicamente duas horas por dia em que uma pessoa pode se manter muito focada e produtiva. Depois disso, começa a cometer erros e vai se frustrar. Se pudéssemos organizar o tempo para ter duas horas superprodutivas de trabalho e depois partir para outras atividades, como praticar exercícios físicos, você provavelmente conseguiria fazer mais do ficar sentado em um escritório por oito horas.