A suspensão temporária do uso do larvicida Pyriproxyfen no Rio Grande do Sul dividiu a opinião de especialistas. O produto é utilizado, sobretudo, em regiões carentes de saneamento, onde a população precisa armazenar água em casa.
A decisão do secretário estadual da Saúde João Gabbardo de proibir o uso do larvicida em reservatórios de água potável, no último sábado, foi embasada por um relatório da Red Universitaria de Ambiente y Salud - Medicos de Pueblos Fumigados (em tradução livre, Rede Universitária de Ambiente e Saúde - Médicos de Povos Fumigados), uma organização de médicos, pesquisadores e advogados com atuação local, principalmente nas áreas rurais da Argentina. A organização, ainda que não seja reconhecida internacionalmente, pautou debates sobre o combate ao Aedes agypti no começo da semana. O que alertou as autoridades foi a sugestão de que o larvicida poderia contribuir com malformações congênitas em bebês.
Leia mais:
Médicos argentinos associam microcefalia a larvicida utilizado na água
RS suspende uso de larvicida que pode ter relação com microcefalia
Larvicida sob suspeita passou por aprovação na OMS, diz ministério
Na Argentina, a organização trava luta contra as multinacionais da agricultura e o governo e protesta contra o uso excessivo de agrotóxicos nas plantações. Desde 2010, o grupo de médicos da Reduas (sigla em espanhol) investiga e acompanha o crescimento de casos de más-formações congênitas em bebês e a maior incidência de câncer em comunidades rurais onde há aplicação aérea de inseticidas.
- O que fazemos é coletar informações e observar como as populações mais expostas aos agrotóxicos têm sua saúde prejudicada. Fizemos estudos populacionais que relacionam fatores ambientais à saúde dessas pessoas - conta Nicolás Loyacono, um dos coordenadores da Rede e médico pela Universidade de Buenos Aires.
A publicação de seis páginas produzida pelo grupo e disponível na internet faz uma revisão das evidências que relacionaram o aumento de microcefalia ao uso de pesticidas na água. A organização questiona o fato de que em outras epidemias de zika pelo mundo, como na Colômbia, não há registros da má-formação e lembra que o uso do Pyroproxyfen no Brasil começou ainda em 2014, um ano antes das autoridades começarem a registrar o aumento no número de casos.
- O que fizemos foi sugerir uma hipótese sobre o caso. O governo não pode combater essa doença com produtos químicos que prejudicam a população. Colocar larvicidas na água para consumo humano é um absurdo - opina Medardo Avila Vazquez, outro dos coordenadores do grupo.
Em entrevista à ZH, o coordenador-geral do Programa Nacional de Controle da Dengue do Ministério da Saúde, Giovanini Coelho, enfatiza que o produto é recomendado pela OMS e afirma que não há provas científicas robustas que associem a microcefalia ao larvicida. Para Coelho, o relatório não teria embasamento científico e seria até de certa forma de "cunho ideológico".
- Não há estudos epidemiológicos que comprovem essa ligação. O que sem tem, até agora, são opiniões - declara.
Brasileiro irá à colombia acompanhar a situação
Para a rede BBC, o médico pernambucano Carlos Brito, da Fiocruz, diz que ainda é cedo para afirmar que a Colômbia não terá bebês com más-formações. O pesquisador fará uma viagem ao país para acompanhar a situação. Segundo Brito, o surgimento da microcefalia não depende apenas do momento da entrada do vírus no local, mas, sim, do momento da epidemia, quando as gestantes se expõem.
Na Polinésia Francesa, durante as epidemias de 2013 e 2014, o larvicida piriproxifen nunca foi utilizado no país, como informou à Agência France Press o Centro de Higiene e Salubridade de Papeete. O aumento de casos de microcefalia foi constatado na região a partir da epidemia do vírus.
Vazquez é médico pediatra, especialista em neonatologia da Universidade Nacional de Córdoba, e ajudou a fundar o grupo. Ele diz que tem apoio da sociedade civil da argentina e de grupos ativistas, mas que não tem vinculação política. Para o argentino, tanto o governo de Cristina Kirchner como de Mauricio Macri, eleito neste ano, não dão a devida atenção para o problema envolvendo agrotóxicos no país.
Em 2015, um professor da Faculdade de Ciências Agrônomas entrou com um pedido de sanção administrativa contra Vazquez devido a estudos feitos sobre o uso de agrotóxicos em Monte Maíz, um município na Província de Córdoba. O professor alega que a equipe do médico teria divulgado dados errôneos sobre a situação na cidade.
Vazquez defende-se dizendo que o outro docente seria funcionário de uma multinacional agrícola. O médico também participou de protestos contra a instalação no país de empresas que fabricam agrotóxicos.
Silvina Heguy, editora da equipe de investigação do jornal argentino Clarín, vencedora do prestigiado prêmio Rei de Espanha (oferecido pela agência EFE e pela Agência Espanhola de Cooperação Internacional) em 2006 por uma reportagem sobre tráfico de bebês, conheceu a associação em 2013, enquanto produzia uma reportagem sobre três províncias onde a aplicação de pesticidas é feita perto de escolas e hospitais.
Segundo a reportagem publicada por Silvina, o Ministério da Saúde confirmou que, em áreas expostas à pulverização de agroquímicos, há 30% mais casos de câncer do que em áreas não expostas. As más-formações congênitas em bebês quadruplicaram em 10 anos.
- A Reduas começou a crescer partir da expansão do cultivo de soja na Argentina. Essa expansão impulsionou um modelo de exploração agrária que necessita de cada vez mais terras, e que utiliza sementes geneticamente modificadas que podem suportar grandes quantidades de agrotóxicos. A reportagem serviu para que o tema entrasse na agenda pública. Muitos médicos e cientistas começaram a analisar a situação e muitos municípios começaram a impor legislações para impedir a fumigação nos centros urbanos - relata.
Abrasco é citada pela organização
Ao falar do Brasil, Vazquez menciona a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) como uma organização que, na sua opinião, teria os mesmos objetivos da Reduas. No relatório da associação argentina, os médicos citam uma nota técnica da Abrasco como embasamento para o estudo.
Por meio de nota oficial, porém, a Associação brasileira esclarece que "em momento nenhum afirmou que os pesticidas, larvicidas ou outro produto químico sejam responsáveis pelo aumento do número de casos de microcefalia no Brasil."
Porém, a Abrasco não descarta que há riscos na utilização de larvicidas e que apoia as decisões pautadas pela prevenção, como a suspensão do uso do Pyriproxyfen no Rio Grande do Sul, e que não compete a eles, como associação científica, entrar no mérito do posicionamento dos médicos argentinos.