"Alternativa ignorante para o controle do mosquito", afirma especialista
Um mosquito geneticamente modificado, chamado de "Aedes aegypti do Bem", promete acabar com a infestação do transmissor da dengue, chikungunya e zika vírus. Criado por uma empresa inglesa, o inseto transgênico está em ação no interior de São Paulo e é alvo de uma série de críticas.
A versão boazinha do Aedes foi criada em 2002, no Reino Unido, pela empresa Oxitec, que também atua no controle de pragas agrícolas. A ideia dos pesquisadores foi criar um mosquito cujas novas gerações estão condenadas à morte, com objetivo de reduzir a população de Aedes aegypti (veja o infográfico abaixo).
Leia mais:
Dilma pede ajuda da população no combate ao Aedes aegypti
Mark Zuckerberg divulga campanha contra zika
Anvisa registra teste que detecta zika, chikungunya e dengue
Testado em três bairros de dois municípios da Bahia entre 2011 e 2013, que somam cerca de 5 mil habitantes, o mosquito transgênico teria reduzido em mais de 90% a população do aegypti nas áreas. Um ano depois, em maio de 2014, o inseto obteve a autorização para comercialização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), mas ainda aguarda um aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A autorização foi criticada pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que emitiu uma nota questionando a rapidez no processo, que teria levado em conta dados insuficientes.
Em abril do ano passado, a prefeitura de Piracicaba, cidade do interior de São Paulo com pouco mais de 360 mil habitantes, foi a primeira a utilizar o mosquito "em fase de operacionalização". O motivo foi o alto índice de dengue no município: 934 casos entre julho de 2014 e junho de 2015.
- O trabalho tradicional, de visita domiciliar, não estava dando o retorno que a gente esperava. Então, fizemos um projeto-piloto com o mosquito transgênico em um bairro de pequeno porte, com cerca de 5 mil habitantes - afirma Sebastião Amaral Campos, coordenador do Plano Municipal de Combate à Dengue.
Sem autorização da Anvisa, o mosquito motivou o Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema) de Piracicaba a convocar uma audiência pública para debater o tema e acionar o Ministério Público, que firmou um Termo de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a prefeitura. O acordo garante que as estratégias tradicionais de combate à dengue não sejam abandonadas.
- No bairro onde soltamos os mosquitos, o Aedes diminuiu 82%. E apenas um morador foi diagnosticado com dengue. Antes, eram 130 - informa Sebastião.
O resultado motivou a prefeitura a ampliar a área com os insetos transgênicos em junho. O plano é usá-los na região central da cidade, onde moram 60 mil pessoas. Para isso, a Oxitec - que já possui uma fábrica com capacidade para produção de 2 milhões de mosquitos por semana em Campinas - instalará uma unidade em Piracicaba. A nova instalação poderá produzir até 60 milhões de insetos por semana.
O valor dos mosquitos não é fixo, conforme a Oxitec, pois depende de diversos fatores, entre eles a logística. Em Piracicaba, a empresa decidiu "compartilhar custos", e o primeiro projeto demandou R$ 150 mil dos cofres municipais. O valor da nova parceria, para a região central, ainda está em negociação.
Na visão do Professor do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Carlos Fernando Salgueirosa de Andrade, o uso dos mosquitos transgênicos é uma "alternativa ignorante do controle do mosquito da dengue". Especialista em ecologia e entomologia (estudo dos insetos), ele defende que a técnica envolve uma série de riscos e não possui comprovação científica de eficácia.
- Eles têm dito que conseguiram uma redução de 80% dos vetores. Quando isso acontece, a pergunta óbvia é: e os 20% que sobraram ainda estão transmitindo doenças? Se não se sabe isso, não se pode comemorar. Isso não é ciência, é achismo - afirmou o professor.
O especialista acrescenta que a eliminação do Aedes aegypti pode desequilibrar o ambiente, abrindo espaço para uma outra espécie transmissora da dengue: o Aedes albopictus. Já a Oxitec afirma que as espécies não competem pelo mesmo nicho, pois têm hábitos diferentes: o aegypti tem preferência por sangue humano, por isso vive mais nas cidades, e o albopictus prefere sangue animal, o que o leva para as zonas rurais.
- Essa questão de causar desequilíbrio ecológico é uma bobagem sem tamanho. O Aedes é nativo da África, a presença dele aqui que está deslocando espécies nativas - afirma Guilherme.
Além disso, a separação de machos e fêmeas em laboratório não é 100% eficaz. Feita com uma peneira quando os insetos estão na fase de pupa, em que apenas os machos (menores do que as fêmeas) conseguiriam escapar, a técnica pode resultar em uma mistura média de 0,04 de fêmeas a cada 100. Em Piracicaba, onde já foram liberados 29 milhões de mosquitos, a escala representa 11,6 mil fêmeas transgênicas na natureza (apenas as fêmeas picam humanos).
Guilherme Trivellato, supervisor de produção e ensaios de campo da Oxitec, afirma que, como os insetos transgênicos vivem até quatro dias depois de serem liberados (enquanto as fêmeas selvagens podem chegar a 50 dias), os geneticamente modificados não conseguiriam transmitir doenças. Isso porque o tempo que o vírus leva para infectar o inseto é de sete dias.
Para que a técnica funcione, é preciso liberar 10 machos transgênicos na natureza a cada macho selvagem, o que causa uma "infestação" de mosquitos, conforme Carlos. O motivo é o inseto geneticamente modificado estar em desvantagem na busca pela fêmea, com 45% de chance de cruzamento, contra 55% do selvagem. Guilherme comenta que as pessoas notam a maior incidência de mosquitos, mas preferem eles do que a dengue (ou o zika).
Leia todas notícias sobre zika vírus