Doença até então pouco conhecida, a microcefalia não preocupa apenas famílias planejando um bebê para breve, mas também os médicos, que correm para entender o impacto do zika vírus em recém-nascidos. Ainda não há certeza da relação entre a epidemia e o aumento de ocorrências de má-formação cerebral, mas especialistas experientes no assunto já estão preocupados com a gravidade dos casos brasileiros.
Há diferentes níveis de microcefalia, e cada corpo reage de uma forma ao longo do tempo. Alguns pacientes sobrevivem por décadas, alcançando uma evolução gradativa, apesar das dificuldades. Outros têm apenas semanas, meses ou alguns anos de vida. Os médicos costumam dividir os casos em dois grandes grupos: os provocados por fatores genéticos e os por infecções adquiridas na gestação (toxoplasmose, rubéola e citomegalovírus são exemplos). Outros possíveis causadores são abuso de álcool e de drogas ilícitas na gravidez e síndromes genéticas, como a de Down.
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Especialistas internacionais estão no Brasil tentando revisar os casos recentes. E dezenas de neurologistas brasileiros se aliam aos colegas estrangeiros para buscar as primeiras evidências sobre a relação entre o vírus e a má-formação. Um estudo com bebês brasileiros publicado pelo Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) ajudou a reforçar essa ligação.
A força-tarefa conta com professores de diversas instituições de ensino e hospitais, entre eles a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e o Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Quem liderou o relatório foi Lavínia Schuler-Faccini, presidente da Sociedade Brasileira de Genética Médica e professora da federal gaúcha.
Pesquisadores formam banco de dados com exames de brasileiros
Os pesquisadores analisaram 35 filhos de mães que viviam ou visitaram áreas afetadas pelo zika durante a gravidez. Dos bebês analisados, 25 tiveram microcefalia severa, e 17 sofrem de pelo menos alguma anomalia neurológica. Ainda será necessário um levantamento de dados muito maior para que se tire as primeiras conclusões. O geneticista William Dobyns, do Hospital Infantil de Seattle (EUA), que estuda o assunto há 30 anos e tem contribuído com os cientistas daqui, declarou à agência Reuters que, apesar de ainda ser uma interpretação muito preliminar, as condições dos pacientes parecem ser "muito mais severas do que uma simples microcefalia".
Dobyns mostrou imagens de exames realizados pelos brasileiros a um grupo de especialistas americanos. Todos teriam ficado chocados com a escala das má-formações. Ele considerou particularmente alarmante o excesso de fluído cérebro espinhal entre o cérebro e o crânio dos bebês brasileiros estudados, o que indicaria que algo estaria fazendo os cérebros encolherem.
Um dos brasileiros que trocam informações com a equipe de Dobyns há algum tempo é o médico Leonardo Vedolin, especialista em exames do cérebro.
- Estamos formando um banco de dados com exames de várias partes do país, a maioria do Nordeste. Vamos analisar junto ao pessoal de Seattle para tentar encontrar algum padrão nos exames de tomografia e ressonância relacionados ao vírus - conta Vedolin, que integra a equipe do Hospital Moinhos de Vento.
A intenção é ver se a má-formação se estabelece de forma parecida quando há influência do zika. O Ministério da Saúde investiga mais de 4 mil casos suspeitos de microcefalia - 400 foram confirmados. Antes do zika preocupar o país, a média brasileira era de 163 casos anualmente nos últimos cinco anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).