Eles são responsáveis por zelar pelo seu sono, fazer seu sistema reprodutor trabalhar, preparar seu corpo para situações de estresse, metabolizar o que você come e ainda influenciam seu humor e comportamento. E mais: são capazes de promover uma série de alterações físicas visíveis, que vão desde impulsionar o crescimento até o ganho ou perda de peso, por exemplo.
Os hormônios são substâncias químicas produzidas principalmente por glândulas e injetadas diretamente na corrente sanguínea. Eles percorrem o corpo até encontrar as células-alvo, aquelas nas quais vão agir. Por meio de receptores, se acoplam nessas células e iniciam suas funções.
– O hormônio é a chave, e a célula tem várias fechaduras, que podem estar em diferentes locais da sua estrutura. No momento em que acontece essa ligação, diferentes ações no metabolismo celular são desencadeadas – ilustra o endocrinologista do Hospital Moinhos de Vento Fernando Gerchman.
Todas as ações reguladoras disparadas a partir dos hormônios ocorrem de forma tão natural e silenciosa a ponto de só se tornarem perceptíveis em caso de disfunções.
– Só notamos a ação dos hormônios quando há alguma doença que afete a função da glândula, que passa a produzir a substância para mais ou para menos – diz o médico integrante do comitê de endocrinologia e metabologia da Unimed Porto Alegre Sérgio Lerias de Almeida.
A importância dessas substâncias é tamanha que, segundo Gerchman, os estados de deficiência ou excesso podem provocar doenças que acarretam até a morte.
Eles mexem com o seu humor
Boa parte das mulheres sabe como é ter de lidar com as variações hormonais, especialmente nos dias que antecedem a menstruação. A síndrome pré-menstrual, conhecida como tensão pré-menstrual, ou TPM, mostra com nitidez como essas substâncias podem mexer com o organismo. De acordo com a professora de ginecologia da UFRGS Maria Celeste Osório Wender, de 70% a 80% das mulheres percebem alterações no corpo e/ou no humor antes de menstruar, embora somente de 20% a 30% delas reúnam sintomas suficientes para classificar a situação como síndrome. Ansiedade, choro fácil, aumento de apetite, retenção de líquidos e dor de cabeça são algumas das alterações enfrentadas pelas mulheres e relacionadas ao período.
Tudo isso ocorre porque hormônios sexuais, como estrógeno e progesterona, que atuam no sistema nervoso central, precisam ter sua produção reduzida para que a menstruação ocorra. Com a diminuição, algumas áreas do corpo passam a não ser atendidas por eles, o que gera alterações comportamentais.
Diminuir os efeitos desse processo não é muito fácil. Evitar alimentos que estimulem o sistema nervoso central (como os ricos em cafeína, por exemplo), praticar exercícios físicos e manter uma dieta saudável são atitudes que podem ajudar. Em alguns casos, anticoncepcionais de uso contínuo, que interferem na quantidade de hormônios no corpo, podem ser indicados.
– Há uma série de coisas que são indicadas, mas poucas têm comprovação. É preciso entender que isso é uma manifestação um pouco exacerbada da fisiologia – pondera Maria Celeste.
Outro hormônio capaz de provocar importantes mudanças no comportamento é o cortisol. Com a função básica de preparar o corpo para situações de estresse – tanto emocional quanto físico – essa substância, quando em excesso, pode gerar euforia.
– O efeito mais nítido da ação do cortisol é não deixar a glicose do corpo baixar. Ele faz o fígado produzir glicose, o que chamamos de gliconeogênese, que é a produção por meio de fontes que independem da alimentação – explica o médico integrante do comitê de endocrinologia e metabologia da Unimed Porto Alegre Sérgio Lerias de Almeida.
Conforme a endocrinologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora de Fisiologia da UFRGS Poli Mara Spritzer, a quantidade de cortisol produzida pela glândula é proporcional à intensidade do estresse gerado. À medida que a situação causadora da tensão vai se resolvendo, os níveis do hormônio se normalizam.
– O sistema endócrino é capaz de regular a produção dos hormônios, inclusive o cortisol. Isso permite que a pessoa se adapte a situações adversas, mantendo a integridade das funções essenciais – explica Poli Mara.
Mesmo em um quadro de estresse crônico, o organismo é capaz de manter essa regulação, ainda que possam ocorrer certos prejuízos. De acordo com Almeida, a elevação do cortisol causada por estresse não tem capacidade, sozinha, de provocar doenças. Entretanto, ela pode ser prejudicial principalmente para quem já tem predisposição a alguma patologia, contribuindo para que o problema apareça. Pessoas com tendência a ter pressão alta, por exemplo, podem ficar mais suscetíveis à hipertensão quando o cortisol aumenta.
Hormônios produzidos na glândula tireoide também podem acarretar mudanças de comportamento.
– A disfunção mais comum relacionada à tireoide é o hipotireoidismo, quando há queda na produção de seus hormônios. Ela provoca sonolência excessiva e comportamento depressivo – comenta Almeida.
Segundo o endocrinologista do Hospital Moinhos de Vento Fernando Gerchman, um procedimento de rotina em pacientes diagnosticados com depressão é dosar os hormônios da tireoide.
– Há casos da doença completamente dependentes dos hormônios da tireoide, ou que são provocados por uma patologia em outra glândula, a adrenal – diz Gerchman.
Eles mexem com o seu apetite
As conexões feitas pelo corpo para equilibrar apetite, fome e saciedade são extremamente complexas. São vários hormônios e neurotransmissores envolvidos nesse processo que, até hoje, não foi bem compreendido pela ciência.
– Se fosse bem entendido, teríamos melhores ferramentas para tratar a obesidade – afirma Guilherme Alcides Flores Soares Rollin, membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Mas há um consenso: a insulina, a grelina, o GLP-1, o GIP e a leptina são hormônios com atuação direta nesse aspecto.
A insulina regula o nível de glicose no sangue, e a alimentação é o principal estímulo para sua produção, que ocorre no pâncreas. Farináceos em geral e alimentos ricos em carboidratos tendem a elevar a sua fabricação. Em excesso, ela pode aumentar o apetite e trazer problemas ao metabolismo.
– Estudos têm mostrado que a gente precisa diminuir os carboidratos da dieta e que, talvez, para os obesos seja mais importante reduzir o açúcar do que a gordura. Embora o ideal seja fazer um pouco de tudo – aponta Rollin.
A grelina, produzida pelo estômago, o GLP-1 e o GIP, produzidos pelo intestino, são responsáveis por enviar ao cérebro sinais para regular o apetite e a saciedade.
O GLP-1, inclusive, tem uma ação importante no tratamento de diabetes e de obesidade – no Brasil, entretanto, seu uso só é autorizado para tratar o diabetes.
A fome e a saciedade relacionam-se também com a leptina, hormônio produzido pelo tecido adiposo que tem o papel de inibir o apetite. Estudos e artigos apontam um paradoxo no que diz respeito à produção da substância: pessoas obesas têm altas concentrações da leptina que, em tese, deveria regular a quantidade de alimentos que é ingerida.
– O nível do hormônio no sangue não representa o efeito dele. Existem situações em que a genética tem resistência à ação
de determinado hormônio. Especula-se que alguns obesos tenham resistência à leptina, por isso não ficam saciados – justifica Rollin.
Eles mexem com o seu corpo
O crescimento de uma criança e seus órgãos, ou mesmo o aumento da massa muscular em um adulto, também são comandados pelos hormônios. Responsável por essas ações, o GH, popular hormônio do crescimento, atua na proliferação das células e no metabolismo da glicose e do colesterol. Sua secreção é estimulada durante as horas de sono – o que explica, em parte, aquela história contada pelas avós de que é preciso dormir cedo para crescer de forma adequada.
– Ele é liberado em quantidades maiores até os 20 anos, atuando na cartilagem, na parte do tecido ósseo que ainda não está bem formada. Ele faz com que haja crescimento longitudinal dos ossos e também dos órgãos internos – pontua Poli Mara.
Ao fim do período de crescimento, o GH passa a ser produzido em menores quantidades, mas ainda exerce funções importantes no metabolismo e na composição do corpo, mantendo uma distribuição adequada da gordura e boa massa muscular. Isso leva algumas pessoas a buscarem esse hormônio para conquistar massa magra mais rapidamente. Mas a administração da substância precisa ser feita com cuidado e, claro, com orientação médica.
– Não é uma coisa tão simples. Aumenta o músculo, mas vai trazer uma série de problemas. Se a pessoa tem predisposição ao câncer, ela vai estimular o crescimento das células cancerosas e, em excesso, pode trazer também o diabetes – alerta Rollin.
Além disso, o consumo do hormônio para fins estéticos pode provocar alterações semelhantes às de uma doença chamada acromegalia, caracterizada pelo crescimento exacerbado do nariz, das orelhas e do queixo.
Os hormônios sexuais como estrógeno e testosterona também são responsáveis por mudanças físicas. O primeiro, além da função reprodutiva nas mulheres, também responde pelas características femininas do corpo. Além disso, quando deixa de ser produzido – durante a menopausa – ele provoca ressecamento vaginal e pode trazer alterações ao sistema urinário.
Com o envelhecimento, os dois hormônios sexuais sofrem um decréscimo em sua produção acarretando outro problema: a osteoporose, pois também estão relacionados com a regulação do metabolismo ósseo. Segundo Maria Celeste, da UFRGS, um terço das mulheres na menopausa sofre com a osteoporose.
Eles mexem com o seu sono
Uma boa noite de sono também tem relação direta com os hormônios. Por meio de um mecanismo extremamente regulado, nosso corpo reduz a secreção de cortisol ao longo do dia, preparando-nos para dormir. Durante o período de descanso, entra em cena a melatonina, hormônio relacionado aos estímulos luminosos – seria ele o responsável por dizer ao corpo que, quando escurece, é chegada a hora de dormir. Quem sofre de insônia, por exemplo, pode ter alguma deficiência da substância.
Apesar de ainda ser uma questão pouco esclarecida pela ciência, especula-se que a melatonina possa ter ligações com a moderação do apetite – o que poderá, futuramente, contribuir para o tratamento da obesidade –, ter efeito antioxidante e também alguma relação com o câncer.
– Ainda vamos aprender muito sobre ela – afirma Rollin.
Há outros hormônios que interferem no sono: é por causa do cortisol que o corpo começa o processo de acordar. A adrenalina, fabricada pela medula adrenal, também está vinculada a uma boa noite de sono. Responsável por aumentar a pressão arterial e os batimentos cardíacos, essa substância, assim como o cortisol, prepara o corpo para situações de estresse. Ela e o cortisol, quando em alta, dificultam o sono. Vem daí a recomendação para não fazer atividades físicas noturnas, que aumentam a produção desses hormônios num momento em que eles deveriam ser reduzidos.
*Zero Hora