Na primeira metade do século passado, bastava alegar que um remédio tinha uma base teórica interessante que passava a ser comercialmente disponível. Em 1937, mais de 100 crianças morreram em decorrência do aditivo que dava sabor a um elixir para tosse, o que mostrou que o rigor deveria ser maior.
Várias drogas já prometeram resultados maravilhosos, geralmente curas de doenças graves sem toxicidade, com base em relatos isolados sem qualquer controle de outras variáveis básicas, como tratamentos associados. Todos os produtos alardeados como milagrosos naufragaram em algum tempo, não antes de arrastar muitos inocentes que procuravam respostas onde a ciência ainda não havia chegado.
Etapas científicas, que vão desde testes em laboratório até estudos clínicos, permitem separar efeitos - tanto positivos como negativos - do novo produto comparados com os de um placebo (substância sem atividade farmacológica usada como controle) ou com os de outros tratamentos mais estudados. É um processo caro, que demanda número grande de casos e estatísticas sofisticadas, mas é a forma responsável de fazer ciência.
Médicos contestam medicamento "milagroso" para tratar câncer
Em alguns momentos surgem substâncias que querem um "atalho", independentemente do risco que isso traga. A moda atual é a fosfoetanolamina, que não foi avaliada em sua efetividade e segurança em humanos, mas tem alimentado redes sociais, uma legião de esperançosos e uma indústria de liminares e aproveitadores, sustentados na premissa equivocada de que estudos em camundongos com câncer de pele e relatos isolados de supostos sucessos bastam para dar crédito a um remédio e na teoria conspiratória de que a cura do câncer é ocultada por interesse de vender outros remédios. Evidente que todo paciente tem direito legítimo de entrar em protocolos de tratamentos experimentais, mas a regulação desses protocolos é muito cuidadosa e regrada por rotinas internacionais de avaliação, a fim de evitar essa indústria do desespero.
Abrem-se debates muito importantes, como necessidade de investigação científica com financiamento realista e cuja prioridade não seja lucro elástico, etapas regulatórias ágeis e transparentes e acesso a protocolos de pesquisa sérios e desburocratizados. Outro ponto visceral é que se tenha abordagem honesta com as pessoas, sobre quais reais expectativas de cada tratamento. Todos torcemos que remédios se provem excepcionais, mas não podemos parar de ter fé de que é a ciência que nos dará respostas.
*Oncologista do Instituto do Câncer Mãe de Deus