Lembro-me que, quando eu era pequena, os adultos costumavam dizer que era bom que aproveitássemos a infância, pois a vida tendia a ser bem cruel com o passar do tempo. Adoravam desfiar aquele rosário de conselhos, afinal, naquele tempo, a maioria das crianças dividia seus dias entre escola pela manhã e brincadeira com os amigos à tarde - ou vice-versa.
Porém, os tempos são outros, embora o discurso de nós, adultos, muitas vezes continue sendo o mesmo. As crianças já não são mais aqueles seres com um vasto tempo ocioso para ser usado como bem entenderem. Não! As crianças têm uma agenda quase tão lotada de compromissos quanto a de qualquer adulto ativo. É natação, tênis, idiomas, dança, culinária, algum instrumento musical, canto, catequese, dia de turno inverso no colégio. Além da escola, dos deveres de casa e dos compromissos sociais que volta e meia aparecem. Ufa! Se a vida tende a ser realmente mais cruel com o passar do tempo, até pode ser um pouco verdade, mas há uma outra realidade que não pode ser ignorada: a infância não é mais a mesma e a pressão que incide sobre quem é "gente grande" tem feito um pouco de estrago em "gente pequena" também.
As exigências feitas aos nossos pequenos têm sido enormes e, muitas vezes, desnecessárias para a faixa etária. Tantas famílias se preocupando em criar projetos bem-sucedidos de minigênios, esquecendo-se de formar boas pessoas para que o mundo se torne um lugar melhor para se viver.
Jamais negarei a importância de grandes pensadores para a humanidade. Tampouco desconsiderarei a influência dos mais favorecidos intelectualmente. Porém, os providos de excelência em cortesia, brandura, afabilidade, indulgência, bondade, empatia, consideração, leveza, bondade, altruísmo e lisura, esses têm muito mais do que o meu reconhecimento. Têm a minha admiração e o meu pedido esperançoso de que venham com vontade, apareçam, transformem esse mundo em um lugar mais cortês.
Para isso, ajudemos nossas crianças a se tornarem seres humanos melhores do que somos. Expliquem-lhes que pessoas valem muito mais do que títulos. Que um amigo de verdade vale muito mais do que meia dúzia de conhecidos influentes socialmente.
Que o esforço vale muito mais do que a inteligência nata - pois vem de um ato voluntário. Que se colocar no lugar do outro vale muito mais do que tentar tomar o lugar do outro. Que agir por um bem coletivo vale muito mais do que pensar sempre de forma egoísta. Que acreditar na evolução das coisas vale muito mais do que reclamar o tempo todo. Que ir atrás do que se acredita vale muito mais do que se acovardar e esperar que tudo seja resolvido como mágica. Que dinheiro é importante, mas não é ele que deve reger nossa vida. Que se frustrar faz parte da caminhada rumo às conquistas mais desejadas. Que, às vezes, esperamos das pessoas mais do que elas podem nos dar, mas que isso não significa que elas não estejam nos dando tudo o que podem naquele momento - cada uma tem seu compasso. Que encontrar alguém que confie na gente e acredite em nosso potencial, muitas vezes, pode mudar tudo para melhor - portanto, acreditar e confiar no potencial do outro também pode ser transformador. E que a maioria das lições que realmente precisamos aprender para vivermos e convivermos bem em todas as idades e em qualquer lugar do planeta não está nos livros didáticos, em aulas bem planejadas ou em uma agenda abarrotada de compromissos. Está na lida diária com outros seres humanos, na vontade de se tornar alguém melhor e na reflexão constante dos acontecimentos habituais.
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