Diariamente, entre 7h e 7h30min, um velhinho de 1m60cm e olhinhos puxados desliza pela Rua Cristiano Fischer, em Porto Alegre, com seus passos curtos, tão ritmados quanto o tique-taque de um relógio. Não importa se o sol está escaldante ou se a chuva cai forte.
O professor Yukio Moriguchi, 89 anos, dispensa caronas até o lugar que, por 45 anos, foi sua segunda casa: a PUCRS. Depois de formar centenas de médicos e revolucionar a pesquisa em geriatria no Rio Grande do Sul, o japonês anuncia sua aposentadoria.
Durante o 16º Simpósio Internacional de Geriatria e Gerontologia da Faculdade de Medicina da PUCRS, que começa hoje e vai até sábado, o reitor, irmão Joaquim Clotet, anuncia que Moriguchi receberá, em outubro, o título de Professor Emérito, maior honraria acadêmica fornecida aos professores aposentados que atingiram alto grau de projeção em sua atividade.
Colegas e alunos lamentam a saída de Moriguchi das salas de aula. Uma mente brilhante que trouxe de Tóquio a tradição da rigidez na educação sem perder a humanidade. Desde que recebeu o diploma de médico, em 1948, dedica-se a compreender a ciência da longevidade e os processos que levam as pessoas a envelhecer com qualidade de vida. Sua filosofia é dar o exemplo.
- Só ensino aquilo que eu mesmo adoto para a minha vida, né? - diz, no seu português com sotaque oriental, sobre os quatro segredos da velhice saudável: caminhar uma hora por dia, cuidar a alimentação, dormir de sete a oito horas por noite e praticar a espiritualidade.
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Moriguchi acorda às 4h30min para preparar aulas e revisar o conteúdo de suas palestras. Às 6h, toma café, veste terno e gravata e prepara-se para a caminhada de dois quilômetros. Antes de sair, deixa um copo de chá gelado sobre a mesa - um agrado à mulher Lia, 87 anos, que acorda às 8h. A esta hora, ele já está no seu escritório, vestindo jaleco e esquentando os pés na estufa enquanto estuda.
Quando chegou ao Brasil, em 1970, para fundar o Instituto de Geriatria e Gerontologia (IGG), a expectativa de vida no país era de 59 anos. Moriguchi foi testemunha da mudança de hábitos do brasileiro: hoje, segundo o IBGE, esse índice é de 74 anos. O médico trabalhou para ver esta virada. Descobriu, por exemplo, que os descendentes de japoneses no Brasil tinham 18 anos a menos de vida, comparados aos que continuavam no Japão. Os motivos: comiam três vezes mais açúcar, 20 vezes menos verduras e sete vezes mais gordura animal.
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Deixar de dividir seu conhecimento científico com os alunos vai ser difícil, pensa Moriguchi:
- Se Deus me desse uma segunda chance de nascer, eu iria escolher ser professor de novo. Para mim, é um hobby, né?
Conselheiro médico do papa Paulo VI
Na mesa de trabalho, exibe com orgulho uma foto com o papa Paulo VI, do qual foi conselheiro médico de 1964 a 1967. Guarda, entre dezenas de arquivos em japonês, o contrato de trabalho assinado com a PUCRS três anos depois.
- Era um papel branco. Agora está amarelo, né? - brinca.
Foi sobre a ação do tempo - não em um papel, mas em humanos - que Moriguchi construiu sua carreira. Na sala de aula, dizem, não permite um suspiro sequer. Se alguém pede para ir ao banheiro (sim, é preciso pedir), ele permite, mas interrompe a aula até o aluno voltar. Caneta não pode pedir emprestado, é para trazer. E cada um, em pleno Ensino Superior, tem lugar no espelho de classe.
- É para eu saber os nomes, né?
Não é só em aula que um professor ensina. Durante 30 anos, seguia à Vila Bom Jesus, aos sábados, para prestar atendimento gratuito aos idosos. Uma vez, em sua caminhada matinal, três homens armados anunciaram um assalto. Um deles o reconheceu:
- Não! Não! Este é o professor Moriguchi, que atende nossos velhinhos. Desculpe! Desculpe!
O doutor em longevidade, então, seguiu seu caminho, de passinho em passinho, com o mesmo amor à profissão.