Como posso explicar sem parecer malvado? Abrindo o texto com uma pergunta retórica, talvez. Talvez dizendo que não faço isso por mal. Talvez dizendo que não é algo que acontece todo dia. Mas, independentemente de vocês estarem me julgando neste momento, eu confesso: tenho uma filha favorita.
Quando minha segunda filha nasceu, a mais velha tinha sete anos. Éramos os melhores amigos do mundo. Mas um bebê estava chegando, e nossa amizade corria perigo. Eu me abaixei, então, e olhei bem nos seus olhos: "Você sempre será minha filha favorita. Você é minha primeira filha e eu sempre vou te amar mais. Você é um presente. Não vou jogar fora esses sete anos que a gente viveu junto. Sempre que eu te chamar de 'fifa', como eu te chamo de vez em quando, saiba que secretamente esse apelido significa 'filha favorita'".
E é claro que eu me arrependi. Quando a mais nova sorriu pela primeira vez. E quando me abraçou pela primeira vez. E quando disse "Eu te amo, papai" pela primeira vez. Eu amava aquela pessoa pequena mais do que tudo, mais do que eu mesmo, mais do que o resto da humanidade. Nesses momentos, eu confesso: a mais nova foi minha filha favorita.
Mas então a mais velha se apaixonou pelos livros e por ciência e por filmes legais. E passamos tardes andando de bicicleta e conversando. E nessas conversas eu tenho certeza que ela foi minha favorita. E a chamo de "fifa", para que ela saiba que eu gosto muito dela. Não sei se mais ou menos do que a outra, mas eu diria que às vezes mais. E às vezes menos, alternadamente.
A chegada do segundo filho obriga a dividir seu tempo, sua atenção, seu carinho. Você tem de dividir seu olhar, sua conversa. Você não multiplica o amor. Você divide. E isso dói, mas você se acostuma.
Neste momento, escrevendo este texto, amo as duas igualmente. Elas estão dormindo. Mas amanhã, quando acordarem, terei meus favoritismos. Como posso dizer isso sem parecer malvado? Fechando o texto com uma pergunta retórica?