Para deixar o sistema de defesa do corpo mais esperto - ou, como dizem os especialistas, melhor regulado -, não só os primeiros anos, mas também os primeiros minutos de vida são fundamentais. Pesquisas recentes indicaram que o aumento no número de cesáreas pode estar contribuindo, e muito, para a maior incidência de alergias. Isso porque as crianças que nascem de parto normal entram em contato com as bactérias presentes no canal vaginal, que são importantes para fortalecer o sistema imunológico e ser a primeira proteção contra as alergias.
Foi o que demonstrou uma pesquisa publicada neste ano na revista científica Cell Host & Microbe, que analisou amostras de fezes de 98 bebês suecos durante o seu primeiro ano de vida. As crianças nascidas por cesariana tinham bactérias intestinais menos parecidas com as de suas mães do que os nascidos por via vaginal.
- Aquelas bactérias que inicialmente colonizam o intestino e ajudam a regular o sistema de defesa da criança são derivadas da mãe. A forma como nascemos e como nos alimentamos nos primeiros anos de vida vai determinar o nosso microbioma, ou seja, as bactérias com as quais conviveremos ao longo da vida - explica o alergista e imunologista Giovanni Marcelo Di Gesu.
Leite materno é essencial para fortalecer a flora intestinal
As bactérias da mãe continuam sendo importantes mesmo depois do nascimento. Conforme o microbiologista e professor da Universidade de Londres, Graham Rook, bebês amamentados nos primeiros meses têm menos chance de serem alérgicos, pois estima-se que o leite da mãe contenha cerca de 900 espécies de bactérias, que ajudam a fortalecer a flora intestinal da criança:
- Além disso, o leite materno contém polissacarídeos que não podem ser digeridos pelo bebê, mas alimentam as bactérias benéficas que estão no intestino dele. A falta desse alimento pode prejudicar a microbiota intestinal, o que ajuda a desregular o sistema
de defesa do corpo.
Além desses fatores, os cuidados dos pais com as crianças também influenciam diretamente no desenvolvimento de alergias. Já se sabe que, atualmente, uma das maiores ameaças às bactérias protetoras de alergias vem dos antibióticos. Medicamento amplamente usado para proteger o corpo de bactérias inimigas, eles podem acabar afetando também aquelas que nos fazem bem. E, por isso, principalmente durante a infância, devem ser usados com muita moderação, alerta Rook:
- O uso intenso desses medicamentos no início da vida, muitas vezes desnecessário, pode perturbar a microbiota do intestino durante um período crítico, que é quando
está ocorrendo a regulação do sistema imunológico. Isso pode levar a um aumento das doenças inflamatórias crônicas, como as alergias, além de doenças metabólicas, como obesidade e diabetes.
Pais alérgicos, filhos... possivelmente
A condição para desenvolver alergias está relacionada a diversos outros fatores. Conforme o imunologista Luiz Vicente Rizzo, diretor de pesquisa do Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, é provavelmente uma combinação de hábitos de vida, fatores ambientais e genéticos que está contribuindo para o aumento de alérgicos ao redor do mundo. Uma criança filha de pais não alérgicos tem 15% de chances de desenvolver alergias. Quando apenas a mãe é alérgica, as chances saltam para 50%, e quando essa condição está presente no pai e na mãe, os índices podem variar entre 60% e 80%.
Para Lucas Mendes de Oliveira, 26 anos, foram esses fatores que o levaram a necessitar de cuidados e atenção especial 24 horas por dia. Nascido na Bahia, desde pequeno ele teve de se afastar do cardápio preferido da família: peixes e frutos do mar o deixavam todo embolotado, causando coceiras que perduravam por horas. Aos oito anos, o jovem foi diagnosticado alérgico a esses alimentos. Aos 14, em uma tentativa de observar se a alergia havia sido passageira ou não, foi instigado a comer um prato de bacalhau. Como resultado, teve uma anafilaxia - reação alérgica extrema, que provoca edema na glote e impede a pessoa de respirar.
Convencido de que teria de ficar longe dos peixes para o resto da vida, Lucas se mudou para o Sul, onde estuda psiquiatria. Em Porto Alegre, com um cardápio farto de carne bovina, encontrou um novo inimigo: as partículas presentes no ar.
- Eu me acostumei a ficar de olho nos cardápios e comidas em restaurantes e eventos para não ser pego de surpresa. Somado a minhas alergias respiratórias, é uma situação que incomoda bastante. Minha família tem histórico de alergia, e a combinação de vários fatores levou à minha condição - conta.
Hoje, morando sozinho, Lucas não sai de casa sem uma lista de precauções. Carrega sempre antialérgicos e outros medicamentos e, para amenizar reações mais fortes, recusa-se a comer fora de casa sem antes se certificar que os alimentos não tiveram nenhum contato com frutos do mar:
- Estou sempre cuidando para não ocorrerem acidentes. Não vivo com medo nem em estado de alerta, mas me habituei a ficar atento e isso já não me gera mais sofrimento. Mas o cuidado não passa a ser menos intenso, ele é constante.
Especialistas dão algumas dicas de como se prevenir. Confira