De uma listagem de dezenas de possibilidades saiu o desconhecido capaz de viabilizar o sonho. As professoras Marisa Kieling, 33 anos, e Carla Andréa Algayer Soares, 45, escolheram cinco doadores de sêmen anônimos que tinham amostras disponíveis naquele momento, classificando-os pela ordem de preferência. A característica que as mães julgavam mais importante, a boa índole do voluntário, não poderia ser depreendida da lista entregue pela clínica de fertilização, e elas decidiram então priorizar elementos semelhantes aos da parceira que conceberia o bebê.
Doação de sêmen é alternativa para casais gays ou que enfrentam problemas de fertilidade
- Sempre quis ter olhos azuis. Imagina uma Marisa de olhos azuis! - empolgou-se Marisa.
O bebê nasceu da união de um óvulo de Marisa com o esperma do doador de número 464. Conforme o cadastro, tratava-se de um profissional da área de computação, praticante de ciclismo, sangue A negativo, pele branca, protestante, cabelo castanho ondulado claro, 1m70cm e 77 quilos. Carolina, hoje com 10 meses, puxou o azul escuro dos olhos do "pai".
- Acho ela parecida comigo - emociona-se Carla, creditando a semelhança à convivência. - Ela é minha também.
Carla tem três filhos de um relacionamento anterior, e a decisão pelo quarto se fortaleceu a partir da morte de um deles. Marisa, que não almejava a maternidade, começou a mudar de ideia depois da tragédia:
- Eu queria tentar trazer uma vida nova para nós.
Respondida a principal dúvida no primeiro contato com a clínica de fertilização _ sim, era possível comprar esperma -, o casal iniciou o tratamento. A tentativa inicial não deu certo, provocando um sofrimento intenso. Na segunda vez, Marisa engravidou.
A casa em São Leopoldo hoje é outra, repleta de brinquedos, e a rotina de todas as moradoras também. Carolina frequenta uma creche a poucos metros do trabalho de Marisa, o que facilita a amamentação. Carla também dá o peito, relembrando a tarefa de outros tempos e fortalecendo o vínculo: aconchega a filha nos braços e oferece o seio sem leite. Bárbara, 17 anos, filha caçula de Carla, não consegue encontrar resposta a uma pergunta que sempre repete:
- Como é que a gente pôde viver sem ela?
Restam cinco embriões congelados na clínica de fertilização, pelos quais é paga uma taxa de manutenção. A vontade de passar por mais um processo de fertilização com a mesma amostra de sêmen é compartilhada pelas professoras, mas o destino do material ainda é incerto. Se Carolina não ganhar outro irmão, os embriões serão doados a casais inférteis. Explicar a configuração familiar peculiar à filha pequena não é algo que preocupa.
- A Carol não vai poder dizer "meu pai é o fulano". Ela vai ter duas mães. Se a gente ensinar desde pequena, ela vai ver que é uma coisa normal - afirma Marisa.
Doação de óvulos, via de mão dupla
Para as mulheres que não conseguem produzir seus próprios óvulos, existe a possibilidade de também recebê-los por doação. Com base no perfil das pacientes em tratamento, clínicas de fertilização podem intermediar "trocas", sob sigilo total. Imagine-se a situação hipotética de uma mulher de 45 anos que tem óvulos de qualidade insatisfatória e não consegue engravidar. A partir de uma análise dos prontuários, os médicos localizam uma jovem de 23 anos, cujo marido é infértil, com características semelhantes - este casal não tem condições financeiras de custear o procedimento de fertilização.
Sem jamais conhecer a identidade uma da outra, cada uma delas terá sua parcela de colaboração para que as gestações sejam bem-sucedidas: a mulher mais nova doará óvulos para a mais velha, e a mais velha comprará medicamentos para o tratamento da mais nova. O filho da paciente de 45 anos será concebido a partir da junção do sêmen do marido com o óvulo da desconhecida. A receptora assinará um termo de consentimento informando estar ciente de que não terá informações sobre a doadora. Depois da união dos gametas, feita em laboratório, o embrião será implantado no útero da futura gestante.
Esta tem sido uma alternativa para um número crescente de mulheres que, pelas mais diversas razões, decidem adiar a maternidade. Renato Frajndlich, especialista em reprodução humana, percebeu um aumento significativo dessa prática nos últimos cinco anos.
- Tem pessoas muito mais velhas querendo engravidar. Podemos fazer a fertilização com doação de óvulos em mulheres de até 50 anos. Elas chegam muito tristes, achando que acabaram as chances, e ficam felizes com essa possibilidade - comenta Frajndlich.
Fertilização in vitro
Professoras recorrem à doação de sêmen em clínica de reprodução assistida
Mães puderam escolher características físicas como cor dos cabelos e dos olhos na lista com as opções de doadores anônimos
Larissa Roso
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