Crianças que comem legumes e vegetais sem fazer cara feia, vão para a cama cedo - e dormem a noite toda -, não fazem birra em restaurantes, respeitam o "não" e se divertem sozinhas. O que pode soar como um sonho para muitos pais parece ser uma realidade na França. É o que reforçam pelo menos dois novos livros sobre o assunto - um deles recentemente lançado no país e outro com previsão de chegar às livrarias brasileiras no mês que vem.
A partir da experiência de quem foi morar no país europeu e descobriu a obediência exemplar dos pequenos franceses, a americana Pamela Druckerman compila, em Crianças Francesas Dia a Dia, cem dicas elaboradas após o período em que pesquisou os segredos da educação francesa. Foi também a decisão de tentar a vida na França que trouxe desde mexilhões a molho especial de espinafre ao cardápio das filhas da canadense Karen Le Billon, autora de Crianças Francesas Comem de Tudo.
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Por meio de entrevistas com especialistas, conversas com pais e, principalmente, da observação do dia a dia francês, Pamela conclui que é seguindo o princípio do "laissez-faire" (em tradução livre, algo como "deixa estar", expressão-símbolo do liberalismo econômico do século 19), que mães francesas conseguem impor limites e dar liberdade não só aos filhos, mas a elas próprias. Já Karen descobriu que pais franceses se importam menos em acelerar o desenvolvimento intelectual dos filhos e mais em ensinar a comer, de maneira que eles aprendam a ser curiosos e reflexivos.
Abaixo o pânico pelo bem-estar
Foi em uma rápida viagem de férias para o litoral francês que a jornalista Pamela, então uma dona de casa, decidiu investigar por que as famílias ao seu redor conseguiam desfrutar da viagem com seus filhos, "como se uma força invisível civilizadora pairasse sobre eles", enquanto ela e o marido viviam, ao lado da filha de um ano e meio, o que chamou de "uma verdadeira ida ao inferno". Longe de encontrar fórmulas prontas, a autora identificou que a base do sucesso do modelo francês é os pais reconhecerem que os filhos não são depósitos de suas ambições, mas, sim, seres individuais e capazes, com gostos próprios e experiências. "Elas até têm seus próprios segredos", ironiza. "Os pais franceses tomam precauções lógicas. Mas não vivem em pânico pelo bem-estar dos filhos", diz Pamela, contrapondo com a experiência das mães americanas. Estas, segundo a autora, vivem a ideia de que cada escolha que fazem pode prejudicar os filhos, mergulhando a família em um ambiente mais neurótico e exaustivo, semelhante ao que se estabelece nas famílias de classe média do Brasil, afirma a psicóloga Sandra Sulzbach, do Instituto de Psicologia da UFRGS.
- Vivemos em uma cultura que tende a idealizar a infância e a juventude como um tempo em que os pais podem "escolher" um modelo de vida para seus filhos, resgatando, assim, ideais próprios não conquistados - complementa a especialista.
A falta de limites é, também, um problema que se vê mais por aqui do que por lá. Pamela diz que uma das características da educação francesa é saber dizer "não" sem ter medo de traumatizar as crianças. Para Sandra, a dificuldade que as famílias brasileiras têm em reconhecer o lugar dos filhos dentro de casa - ao estabelecer parâmetros de adultos para os pequenos - prejudica a hierarquia familiar:
- Crianças precisam ter um horizonte definido, e cabe aos pais ensinar a seus filhos a conviver com o sentimento de frustração que o "não" provoca. Com o surgimento das capacidades cognitivas, ela poderá argumentar e tentar negociar as regras, o que é um excelente aprendizado.
Bom paladar antes da genialidade
Hoje com três filhos e ainda vivendo em Paris, Pamela é mais adepta ao modelo francês do que ao americano na educação dos filhos. Leva-os a escolas públicas, onde estudam música e praticam esportes, mas sem exageros. A ideia de ocupar todo o tempo livre das crianças com cursos extracurriculares, estimulando-os por todos os lados, não é incentivada na França, como também alega Karen: "A maior parte dos pais julga que a tarefa de ensinar as crianças a ler e escrever deve ficar a cargo de professores profissionais. Por sua vez, os pais franceses se concentram naquilo que a seu ver as crianças podem e devem aprender: como saborear e apreciar a comida".
- Café da manhã, almoço e janta são refeições feitas à mesa, todos juntos (a família), com entrada, prato principal e sobremesa, tudo muito simples e rápido de preparar, pois a ideia é passar mais tempo à mesa do que preparando a refeição - diz a gaúcha Daniela Barrier, 44 anos, sobre o que considera um dos principais aprendizados da cultura francesa sobre como educar filhos.
Mãe de Arthur, 10, Marie, seis, e Thais, três, Daniela mora com os filhos e o marido diplomata Gilles Barrier em Paris, onde nasceu o primogênito. Também lhe chama a atenção o lugar da criança francesa dentro da família.
- Cada um faz um esforço para conciliar os interesses do outro. Por exemplo, os pais podem deixar de ir ao cinema para ficar com as crianças em um fim de semana, mas as crianças também vão deixar de ir ao aniversário do coleguinha porque os pais decidiram ir ao museu ou fazer um passeio diferente. Tenho a impressão de que, no Brasil, a agenda das crianças é prioritária - comenta.
Regrinhas de ouro
A experiência de criar o primeiro filho na França também foi impactante para a gaúcha Caroline Pacheco Mahler, 34 anos. Casada com o professor de marketing Dilney Gonçalves, ela foi morar na Europa quando o marido decidiu fazer um doutorado no Exterior. Enquanto viviam por lá - entre 2005 e 2010 -, tiveram o primeiro filho, Gabriel. A principal diferença que Caroline percebeu é que as francesas não deixam de lado outros aspectos do cotidiano quando se tornam mães.
- É isto o que diferencia tanto elas das brasileiras. Quando uma mulher brasileira tem um filho, parece que o mundo dela passa a girar em torno dele. A francesa, quando vira mãe, muda o mínimo necessário sua rotina. Elas adaptam os filhos à rotina delas - comenta.
Encantada com a forma francesa de educar as crianças, decidiu incorporar algumas "regrinhas de ouro" para a educação de seus filhos. A maneira como as mães deixam claro para as crianças quais são as regras - e são consistentes com elas - foi um dos pontos que decidiu colocar em prática também em sua família.
- Mães brasileiras ditam as regras, mas elas são as primeiras a quebrá-las. Por exemplo, elas costumam dizer, "tá bom, hoje você pode dormir tarde, mas é só hoje, viu?". Aqui em casa estabelecemos os horários em que nossos filhos devem ir para a cama. Os meus filhos dormem sempre às nove da noite e acordam às oito da manhã - conta.
Apesar de discordar de alguns comportamentos das francesas - como o fato de que não deixam os filhos tocarem a comida com as mãos durante a refeição - a gaúcha, que hoje mora na Espanha com dois filhos, carrega alguns aprendizados:
- As crianças não nascem mimadas, nós é que ensinamos elas a ser assim.
Cartilha das mães francesas
À MESA - Os franceses acreditam que comer é um ato social, em que há muita interação familiar. Por isso, acostumam as crianças a fazer as refeições ao lado dos pais em horários definidos, comendo o mesmo que os adultos e sempre pedindo permissão na hora de sair da mesa.
PALADAR FINO - Na França, os pequenos são incentivados a comer até o que parece difícil para o paladar de um adulto, como mexilhões, por exemplo. Não existe diferença entre comida de adulto e comida de criança.
ÓCIO CRIATIVO - Enquanto a tendência mundial é encher os pequenos de atividades para estimulá-los e mantê-los ocupados ao máximo, os pais franceses acreditam que é importante a criança aprender a se divertir sozinha, inventando suas próprias brincadeiras, sem a interferência dos pais a todo momento.
AO AR LIVRE - Os pais franceses deixam seus filhos brincarem livremente nos parques, enquanto ficam sentados em um banco observando de longe o comportamento dos pequenos. Ainda que se preocupem com a segurança das crianças, não são paranoicos a ponto de interferir a cada subida no escorregador.
NÃO! E PONTO FINAL - As francesas não mostram medo de traumatizar os filhos por dizer um simples "não". Elas acreditam que assim estão ensinando a criança a ter paciência e a lidar com a frustração.
BONS SONHOS - Nos Estados Unidos, por exemplo, se o bebê chora, os pais imediatamente o colocam no colo, balançam e cantam canções de ninar. Na França os pais esperam um pouco, para ver se ele pega no sono sozinho novamente.
COM ROMANCE - Os pais franceses criam seus filhos para serem mais independentes e, assim, não precisam abrir mão de terem tempo a sós.
TRÊS LIVROS
- Crianças Francesas no Dia a Dia (previsão de chegada às livrarias em abril)
Pamela Druckerman
Editora Objetiva, selo Fontanar
126 páginas
R$ 24,90
- Crianças Francesas não Fazem Manha
Pamela Druckerman
Editora Objetiva, selo Fontanar
269 páginas
R$ 29,90
- Crianças Francesas Comem de Tudo
Karen Le Billon
Editora Alaúde
320 páginas
R$ 44,90
*Colaborou Maria Rita Horn