Quando o autor queniano Binyavanga Wainaina publicou seu aclamado livro de memórias há três anos, ele escondeu uma parte importante de sua vida do escrutínio público. Em janeiro, ele revelou "um capítulo perdido" do livro na internet, intitulado "Sou homossexual, mamãe".
O capítulo sobre perder a oportunidade de contar tudo a sua mãe antes de ela morrer é intensamente pessoal. Porém, a reação foi extremamente pública; uma "bomba gay", nas palavras do jornal The Daily Nation.
Isso porque, na qualidade de autor, editor, jornalista e comentarista bem sucedido, Wainaina, de 43 anos, se tornou um dos africanos de maior destaque a levar sua homossexualidade a público. Ele o fez em um momento de intenso debate sobre o assunto nos países da África Subsaariana.
Muito embora os direitos dos gays tenham ganhado espaço nos EUA e em outras nações ocidentais, em alguns casos a África retrocedeu, com diversos países aumentando as penas contra homossexuais. Em janeiro, o presidente da Nigéria assinou uma lei que prevê punições severas para relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e os contraventores podem enfrentar penas de até 14 anos de prisão, em meio a relatos de que homens gays têm sido cercados, presos e até mesmo torturados.
- A lei é tão inacreditável. Qualquer lei como essa traz consequências tão extremas que é preciso reagir de forma imediata - afirmou Wainaina.
Wainaina, expansivo e expressivo, com os cabelos raspados nas laterais, pintados de vermelho de um lado e de azul do outro, com óculos amarelos sobre a cabeça, afirmou que a homofobia é uma exportação vitoriana trazida à África pelos colonizadores britânicos. Ele colocou o debate sobre os direitos dos gays no contexto de um continente jovem e que cresce rapidamente.
- Sou extremamente otimista em relação à mudança e à transformação veloz das coisas na África como um todo. Isso já começou e não tem mais como parar. Vai ser turbulento, haverá momentos obscuros e iluminados, mas é um trem que partiu em alta velocidade.
Embora Wainaina tenha falado publicamente sobre a nova lei na Nigéria, sua decisão de revelar sua homossexualidade foi especialmente influenciada por uma experiência em seu país natal, o Quênia: a morte de um jovem amigo gay, Kalota, cujos pais foram obrigados a abandonar a igreja, logo em seguida. Além disso, outro amigo morreu por conta de complicações causadas pela AIDS no ano passado, e as consequências deixaram Wainaina pensativo.
Ele não se conformou com "um certo sentimento de clandestinidade, porque uns e outros não foram ao funeral, mas o amavam e eram tão próximos a ele". Foi difícil explicar as razões de ter se revelado ao público, afirmou, uma vez "que não se trata tanto do evento enquanto singularidade, mas de como as singularidades se juntam a coisas que acontecem a todo momento", afirmou.
Desde que seu capítulo foi publicado na internet, Wainaina afirmou que recebeu diversas mensagens de apoio, tanto públicas, quanto privadas, de amigos, parentes e até mesmo de um padre católico aposentado, que era próximo à família.
- Alguém que frequentou a escola comigo e que não havia visto em muitos anos, sabe, me enviou uma mensagem privada dizendo: 'Sou policial agora, se você precisar de qualquer tipo de ajuda, me ligue - afirmou Wainaina.
Esse foi um gesto generoso e, de certa forma, reconfortante, mas também um sinal da severidade da descriminação, dos insultos em público, das ameaças e dos espancamentos que os gays do Quênia ainda enfrentam, afirmou Peter Njane, membro da força-tarefa da Coalisão dos Gays e Lésbicas do Quênia.
- O tipo de opressão que enfrentamos nos força a tomar coragem e revelarmos quem somos - declarou.
Isso não ocorre só no Quênia. Durante uma visita à África no ano passado, o presidente Barack Obama trocou farpas com o presidente Macky Sall, do Senegal. Depois que Obama elogiou a decisão da Suprema Corte de derrubar a Lei de Defesa do Casamento, Sall afirmou:
- Não estamos prontos para descriminalizar a homossexualidade.
A imprensa e o público no Senegal, onde o sexo entre gays é ilegal e homossexuais muitas vezes são processados, celebraram os comentários do presidente.
Njane disse que embora a coalizão tenha aplaudido a decisão de Wainaina de revelar sua homossexualidade, isso gerou "muitos comentários negativos nas mídias sociais". Algumas pessoas compararam os gays a pedófilos, ao passo que outros fizeram piadas de mau gosto, ou afirmações deselegantes sobre o sexo gay, chamando-o de "bizarro" e "inimaginável".
"Eu culpo os pais!", escreveu um usuário do Twitter no Quênia, por dar ao filho um nome incomum como Binyavanga.
O autor foi batizado como Kenneth Binyavanga Wainaina, e a família ainda o chama de Ken, mas o fato do nome Binyavanga "ser tão exótico sempre me empolgou", afirmou, e ele começou a se identificar pelo nome do meio.
Sua mãe era dona de um salão de cabelereiros na cidade de Nakuru, enquanto seu pai era uma executivo bem sucedido. No capítulo perdido, Wainaina afirmou que sabia que era gay desde os cinco anos de idade.
Ele descreveu como se sentiu ao apertar as mãos de um homem aos sete anos:
- Aquilo fez com que eu me sentisse solitário e distante de uma hora para a outra. O sentimento não era sexual, era certeiro e estonteante.
Ele estudou na África do Sul durante os últimos anos do Apartheid e tinha amigos lá que eram gays.
Sua mãe morreu no ano 2000, e ele ainda não havia enfrentado os pensamentos que estiveram em sua mente desde a infância. Ele não fez nada até cinco anos mais tarde, quando "um homem me fez uma massagem e me pagou para fazer sexo com ele" em Londres, conforme descreveu no capítulo.
- Não poderia ter dito a palavra gay até meus 39 anos de idade, quatro anos depois desse rápido encontro da massagem.
Em 2011 ele publicou um livro de memórias, chamado "One Day I Will Write About This Place" (Um dia vou escrever sobre este lugar, em tradução literal), que foi sucesso de crítica no país e no exterior. As mulheres, especialmente, notavam a falta de uma vida amorosa, afirmou Wainaina.
- Não estou pronto para falar sobre isso - lembra de ter pensado na época.
Ele havia revelado sua homossexualidade para alguns confidentes, mas não havia feito isso publicamente. Wainaina afirmou que ele e alguns amigos já "refletiam sobre o que fazer há algum tempo" em meia dúzia de conversas em bares ao longo dos últimos oito meses.
Quando ele finalmente tomou sua decisão, a revelação se tornou um espetáculo multimídia, com o capítulo inicial sendo publicado na internet e atraindo uma série de mensagens pelo Twitter e um vídeo em seis partes no qual ele fala sobre educação, criatividade, e suas próprias experiências, colocado na rede com o título "We Must Free Our Imaginations" (Precisamos libertar nossa imaginação, em tradução literal).
Pelo Twitter, Wainaina declarou que viajaria até a Nigéria, mas quando questionado a esse respeito em uma entrevista, respondeu:
- Essas ideias realmente têm que partir dos nigerianos. Não tenho nem certeza se quero usar o termo 'sair do armário' - afirmou, preferindo a expressão "ser gay em público", ao invés disso.
Wainaina parecia estar tranquilo com a decisão impetuosa que tomou, mas também estava se acostumando com as mudanças na forma como se relaciona com o mundo ao seu redor.
- Por que devemos discutir qual mictório vou usar? Será que posso conversar casualmente com a pessoa ao meu lado, como faria normalmente? Essas são as questões que passam pela minha cabeça agora - se perguntou, com um ar de quem sabe das coisas.
Contudo, ele afirmou que não tinha dúvidas de que havia tomado a decisão correta.
- Não há razão para que eu seja um escritor e existam tantos lugares onde acredito que não posso pensar ou imaginar livremente. Realmente não há razão para isso - afirmou Wainaina.
Homofobia africana
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