Quando um paciente hospitalizado sofre uma parada cardíaca, uma das questões mais difíceis com as quais a equipe médica se confronta é por quanto tempo continuar a ressuscitação cardiopulmonar (RCP). Agora, uma nova pesquisa envolvendo centenas de hospitais sugere que muitos médicos podem estar desistindo rápido demais.
A pesquisa descobriu que os pacientes têm uma chance melhor de sobreviver em hospitais que insistem na RCP por pelo menos nove minutos a mais, em média, do que em hospitais onde as tentativas são interrompidas mais cedo.
Não existem diretrizes claras, baseadas em evidências, que indiquem por quanto tempo se deve continuar tentando a RCP.
Os resultados desafiam o pensamento médico convencional, para o qual prolongar a RCP em pacientes hospitalizados geralmente é inútil, alegando que quando os pacientes sobrevivem, geralmente sofrem danos neurológicos permanentes. Contrastando com essa visão, os pesquisadores descobriram que os pacientes que sobreviveram à RCP prolongada deixaram o hospital tão bem quanto aqueles que foram ressuscitados rapidamente.
A pesquisa, publicada recentemente na revista The Lancet, na Internet, é uma das maiores do gênero e uma das primeiras a relacionar a duração das tentativas de RCP às taxas de sobrevivência. Ela deve fazer com que os hospitais analisem suas práticas e considerem mudanças se estiverem insistindo pouco na ressuscitação, disseram vários especialistas.
A cada mil pacientes hospitalizados, de um a cinco sofrem uma parada cardíaca. Geralmente, eles são mais idosos e estão mais doentes do que os pacientes que sofrem parada cardíaca fora do hospital, e geralmente seu desfecho não é tão feliz: menos de 20 por cento sobrevivem até ter alta do hospital.
- Um dos desafios que enfrentamos quando um paciente hospitalizado tem uma parada cardíaca é identificar por quanto tempo devemos continuar a RCP se o paciente não estiver reagindo. Não existem regras nessa área - diz Zachary D. Goldberger, principal autor da nova pesquisa, que foi financiada pela Associação Americana de Hospitais, a Fundação Robert Wood Johnson e os Institutos Nacionais de Saúde.
Goldberger e sua equipe reuniram dados do maior cadastro de pacientes que sofreram parada cardíaca em hospitais do mundo, mantido pela Associação Cardiológica Americana, identificando 64.339 pacientes que tiveram parada cardíaca em 435 hospitais nos Estados Unidos entre 2000 e 2008.
Tentativas mais longas
Os pesquisadores examinaram os pacientes adultos em leitos hospitalares comuns ou unidades de tratamento intensivos, excluindo pacientes que estavam em prontos-socorros ou que sofreram parada durante os procedimentos. Eles calcularam a duração média das tentativas de RCP dos não sobreviventes, e não dos sobreviventes, a fim de medir a tendência que um hospital tem de insistir em tentativas de RCP por mais tempo.
Uma das primeiras surpresas foi a variação significativa na duração da RCP entre os hospitais, que vai de uma média de 16 minutos em hospitais que investem menos tempo na tentativa de reanimar pacientes até uma média de 25 minutos nos que investem mais - uma diferença de mais de 50%.
Inicialmente, os pesquisadores pensavam que iriam descobrir que alguns pacientes estavam sendo submetidos a tentativas mais longas de RCP em vão, diz Brahmajee Nallamothu, pesquisador sênior que trabalhou no estudo, professor associado da Universidade de Michigan e cardiologista da Centro Médico de Veteranos de Guerra de Ann Arbor.
Contudo, como se viu, os minutos extras representaram uma diferença evidente. Os pacientes de hospitais que dedicaram mais tempo às tentativas de RCP tiveram uma probabilidade 12% maior de sobreviver e voltar para casa do hospital do que aqueles internados em hospitais que dedicaram menos tempo às tentativas de RCP.
Nallamothu e sua equipe descobriram que a função neurológica dos pacientes não se alterou, independentemente da duração da RCP.
Resultados podem mudar prática
Os pacientes que mais se beneficiaram com o prolongamento da RCP foram aqueles que não reagiram à desfibrilação ou que foram submetidos a choques. Os minutos extras gastos na RCP prolongada podem possibilitar que os médicos tenham tempo para analisar a situação e experimentar diferentes intervenções.
- Às vezes, usando a RCP, é possível fazer com que o sangue e o oxigênio continuem circulando por mais de 30 minutos, e ainda conseguir que os pacientes sobrevivam e, o que é mais importante, que tenham uma boa sobrevivência neurológica - diz Jerry P. Nolan, consultor em anestesia e medicina intensiva do Hospital Real Unido do Sistema Nacional de Saúde, em Bath, Inglaterra, que escreveu um comentário que acompanha o artigo.
Stephen J. Green, diretor associado de cardiologia do Sistema Judaico de Saúde de North Shore-Long Island, que não esteve envolvido na pesquisa, disse que os hospitais podem ter de modificar suas práticas à luz da nova pesquisa.
- Ninguém quer ficar na parte de baixo desse gráfico. Os hospitais cujas estatísticas são insatisfatórias devem reavaliar o que estão fazendo e pensar em prolongar a duração de suas tentativas de RCP- diz Green.
Ainda assim, ele e outros especialistas temem que as novas descobertas possam motivar o prolongamento de tentativas de reanimar pacientes para os quais o procedimento não é apropriado, considerando que eles estão no final de vida, ou ainda por outras razões.
- Não teremos um número mágico. Se o procedimento estiver sendo realizado com duração de 10 a 15 minutos, é preciso intensificar a RCP, mas ao intensificarmos cada vez mais, talvez cheguemos a um ponto em que a ressuscitação será muito pouco provável.
Os autores da pesquisa reconhecem que o trabalho não indica que prolongar os procedimentos de RCP é a melhor opção para todos os pacientes.
- A última coisa que queremos é que a moral da história seja de que todas as pessoas devem ser submetidas a uma RCP mais longa. Nós não temos como identificar uma duração ideal do procedimento para todos os pacientes hospitalizados - diz Goldberger.