Porto Alegre deverá sediar uma nova entidade de referência para todo o país em um campo da medicina que vem ganhando destaque na última década: a Sociedade Brasileira de Imunoterapia. Especialistas da área estarão reunidos para planejar a criação da instituição na tarde de terça-feira (3), durante o 1º Simpósio Nacional de Imunoterapia, que iniciou nesta segunda (2) na Capital.
A bióloga e imunologista Cristina Bonorino, que é professora titular e coordenadora do Laboratório de Imunoterapia (Lait) da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) — instituição organizadora do simpósio —, explica que a sociedade deve funcionar como uma promotora das pesquisas desenvolvidas mundialmente e destaca que outros países já contam com entidades semelhantes.
De acordo com a especialista, a ideia de criar a sociedade surgiu diante da revolução ocorrida na área da imunoterapia nos últimos 10 anos, especialmente em relação ao tratamento de câncer. Os avanços tecnológicos ofereceram uma nova alternativa de terapia a esses pacientes, que costumavam ter como opção somente a quimioterapia — com efeitos colaterais mais fortes.
Com isso, a criação da entidade pode funcionar como um promotor desse conhecimento, seja realizando eventos ou reunindo profissionais, avalia Cristina:
— Ter essa sociedade significa congregar os principais ou todos os pesquisadores do Brasil que hoje trabalham nessa área. São pesquisas de cunho altamente translacional, como chamamos, é uma coisa experimental, mas voltada totalmente para podermos entender melhor como aumentar o benefício desses medicamentos.
A imunoterapia é feita com moléculas (anticorpos monoclonais) que reativam a resposta imune do paciente contra o tumor e essa é considerada a grande revolução, aponta Cristina, pois antes o foco eram drogas que combatessem a divisão das células tumorais e o crescimento do tumor.
Essas drogas da imunoterapia são para ajudar o paciente a se ajudar. Elas são conhecidas como inibidores de checkpoints, que são pontos como gatilhos ou interruptores de luz nas células que ativam ou desativam respostas imunes, trazendo uma série de vantagens que nunca tivemos na história.
CRISTINA BONORINO
Coordenadora do Laboratório de Imunoterapia (Lait) da UFCSPA
Conforme a professora, esses medicamentos não causam efeitos colaterais semelhantes à quimioterapia e são os únicos capazes de eliminar metástases — quando o câncer se espalha para outras áreas do organismo. Essas drogas já foram estudadas em testes e aprovadas pelos órgãos reguladores, mas beneficiam apenas 20% dos pacientes e custam um valor muito alto.
— Não sabemos por que os outros 80% não se beneficiam. Mas essas drogas podem ser usadas para qualquer tipo de câncer, dizemos que são pan-oncológicas. Só que são muito caras, mesmo para os planos de saúde, e o Sistema Único de Saúde (SUS) não tem orçamento para pagar esses medicamentos para os seus pacientes — enfatiza Cristina.
A especialista comenta que o Laboratório de Imunoterapia da UFCSPA tem como foco justamente desenvolver esses medicamentos para o SUS e criar um polo de desenvolvimento de anticorpos monoclonais no Rio Grande do Sul, com o objetivo de repassar a tecnologia para o complexo industrial da saúde. Assim, as empresas farmacêuticas poderiam explorar essa produção e fornecer as drogas a um preço mais acessível para o SUS.
Reunião no Simpósio
Entre os pesquisadores participantes do 1º Simpósio Nacional de Imunoterapia, que debaterão a criação da nova sociedade, Cristina destaca a presença de representantes do Instituto Nacional de Câncer (Inca), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e de universidades de diferentes Estados brasileiros. A imunologista destaca que esses profissionais que nunca estiveram reunidos no mesmo evento e que a partir dessa junção, é possível criar uma “massa crítica intelectual”, de onde saem outras iniciativas, como cursos e divulgações científicas.
A sociedade também atuará como promotora das pesquisas desenvolvidas no mundo, projeta Cristina, tendo em vista que os pesquisadores são de nível internacional. Ela ressalta a importância de promover isso no Brasil:
— Precisamos promover isso dentro do país para que tenhamos esse acesso aos medicamentos a um custo razoável para os nossos pacientes. E vamos fazer isso em Porto Alegre porque, de alguma maneira, acho que o nosso laboratório conseguirá agir como um polo de agregar esses pesquisadores.
A reunião desses especialistas também permite que todos saibam o que os colegas estão fazendo regionalmente. A professora aponta que a própria indústria nacional não sabe que existem pessoas aqui no Brasil que têm a capacidade de desenvolver moléculas e testes diagnósticos, que hoje são comprados por um alto valor da indústria estrangeira.
— É importante para treinar nossos médicos, o pessoal de saúde, os recursos humanos da indústria e da pesquisa, e para que consigamos fazer algo de cunho nacional. Em geral, essas pessoas estão no sudeste do Brasil, mas acho que é interessante vir para cá (para o RS), conhecer o que está sendo feito aqui. E coloca Porto Alegre e o Rio Grande do Sul no cenário nacional, mostrando que temos o potencial intelectual para fazer isso — finaliza Cristina.