Enquanto embalavam a pequena Helena no colo, Lucas da Silva, 21 anos e Raíssa Lopes, 19, atendentes, ouviam atentamente às orientações passadas pela equipe da Associação dos Amigos do Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (Ahmi). Após um mês e uma semana, na última quinta-feira (14), a menina, nascida prematura de 32 semanas, finalmente pôde deixar o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas (HMIPV) para ir para casa com a família, no bairro Lami, em Porto Alegre.
Na alta do hospital, além das dicas de saúde fornecidas pela ONG por meio do projeto Ahmi Bebê, os pais também receberam um kit de itens essenciais, dispostos em uma caixa, que se torna um berço para abrigar a pequena – e que pode salvar vidas. Somente em 2024, nove mortes por sufocamento, asfixia ou síndrome da morte súbita infantil foram registradas em Porto Alegre, de acordo com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) da Capital. O número foi obtido por meio do cruzamento de diferentes dados, mas todos os casos são relacionados ao sono e ao compartilhamento de cama com o bebê.
No Brasil, já são 19 mortes especificamente por sufocamento no sono, sendo uma no RS; e 72 pela síndrome, com sete registros no RS. Os números, entretanto, podem ser maiores, pois os casos podem ter sido registrados como causas indeterminadas, o que explica a divergência de dados.
A caixa-berço contribui para prevenir a morte do bebê, proporcionando um ambiente seguro e confortável, que também evita contágios com doenças infecciosas, conforme a ONG.
O projeto Ahmi Bebê foi criado em 2020 pela Ahmi, a partir da identificação da necessidade de orientação para famílias em situação de vulnerabilidade social e de baixa renda sobre a saúde da mãe e do bebê. Os pais recebem informações e uma cartilha sobre cuidados com a saúde, vacinação e estímulo ao aleitamento materno.
Além disso, ganham uma caixa maternidade, que será o primeiro berço do bebê, recheada com enxoval completo de roupas, cama e banho; kit higiene para a mãe e para o bebê, com lenços umedecidos, pomadas para assadura, 90 fraldas, entre outros; e uma cesta básica.
O propósito é diminuir os índices de mortalidade infantil, garantir o crescimento e desenvolvimento saudável do bebê, promover cuidados com a saúde física e mental da mãe, incentivar a vacinação e o aleitamento materno e diminuir a transmissão de doenças que levam à reinternação.
Os pais de Helena elogiaram a iniciativa da ONG, que será um diferencial nos primeiros meses. Já que a pequena veio antes do esperado, Raíssa e Lucas não conseguiram se preparar devidamente. Sem a ajuda, o jovem casal teria de recorrer à sua rede de apoio, algo que muitas famílias não têm
— Tem muita gente que não tem (condições), então ajuda, ainda mais para quem tem o primeiro bebê. É o nosso primeiro. Acaba dando bastante suporte — avalia a mãe sobre as doações recebidas pelo projeto.
— Qualquer dica ajuda, os ensinamentos ajudam bastante, ainda mais quem não tem experiência — complementa o pai de Helena.
Cenário preocupante
O sufocamento de bebês acontece quando os cuidadores compartilham a cama com a criança e acabam deitando em cima do bebê, por cansaço, alcoolismo, tabagismo ou sono pesado, ou cobrindo-a com o edredom, resultando em obstrução da via respiratória e falta de ar, explica José Paulo Ferreira, presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS).
Já a síndrome da morte infantil acontece quando a criança, por uma razão ainda desconhecida, para de respirar durante o sono. Há fatores de risco: quarto aquecido; pai ou mãe fumante; criança deitada de lado ou de barriga para baixo; e, principalmente, criança que dorme na cama dos pais. Quanto menor é a idade da criança, maiores os riscos de algum acidente.
Orientações aos pais e cuidadores
- Não colocar a criança para dormir na mesma cama dos pais
- O colchão da criança precisa ser firme, de densidade adequada, e não fofo, para evitar que a criança afunde
- O berço precisa estar limpo, plano e livre de brinquedos, móbiles e protetores de berço, para evitar o sufocamento
- O quarto não pode estar muito quente, deve estar fresquinho
Pode dormir no quarto dos pais, mas não na cama dos pais. Então, até seis meses, sete meses, a criança pode ficar ali, para os pais ficarem mais tranquilos e aprenderem mais como o baixinho funciona. Mas no berço ao lado. Não tem problema de dormir ao lado. A gente quer oferecer um espaço seguro para a criança — reforça o médico, acrescentando que a criança que dorme na cama dos pais pode até cair no chão.
JOSÉ PAULO FERREIRA
Presidente da Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul (SPRS).
As orientações sobre sono e saúde do bebê são repassadas em consultas com pediatra. Ferreira avalia que os registros poderiam ser evitados se os pais tivessem a informação – mas, em alguns casos, mesmo quando são orientados, acreditam que não haverá problema. Também é preciso considerar as diferentes realidades brasileiras, em que, em alguns casos, uma família tem apenas uma cama ou quarto, lembra o médico pediatra.
— É um absurdo — analisa Ferreira, destacando que o número de casos no país não é desprezível, ainda que o dado seja incerto.
Como funciona o Ahmi Bebê
Na alta do hospital, a mãe que se enquadra no perfil socioeconômico é acolhida na associação e recebe informações e os itens. Mãe e bebê recebem acompanhamento médico por mais dois meses, com consultas de revisão com um pediatra do hospital, nos próximos 30 e 60 dias. Eles devem retornar com a carteira de vacinação do bebê no segundo momento, quando recebem mais um kit de higiene para o bebê e uma cesta básica.
— Muitas vezes, a maioria não tem berço ainda em casa, vive de aluguel, não tem uma renda muito sólida — afirma Natália Laurindo, gerente administrativa da Ahmi, destacando que a associação também atende mães solos, menores de idade, vítimas de violência sexual e do sistema prisional.
Colecionando impactos
Desde 2020, 3.228 famílias já foram beneficiadas pelo projeto. Atualmente, 120 ingressam no projeto mensalmente, resultando em 240 atendimentos por mês, considerando as consultas médicas. O projeto teve início no HMIPV, mas há o objetivo de expandir para outros hospitais da Capital interessados em receber o projeto. O impacto social é “enorme”, frisa Natália:
— Muitas mães não sabem dessas dicas e informações que a gente dá. Então, elas agradecem muito, nos mandam fotos dos nenês dormindo nos berços. É bem gratificante a gente ter esse retorno dessas famílias.
“Ajuda demais”
Na quinta-feira, Janaina Teixeira, 25, voltou ao hospital para receber “alta” do projeto. A moradora de Canoas não tinha nenhum item de enxoval, nem mesmo o berço, e foi apoiada pelo projeto, inclusive com consultas.
— No posto de lá é mais complicado da gente conseguir ir. Aqui o atendimento foi muito bom — avalia.
Por também ser mãe de primeira viagem de um bebê de três meses, Janaína pouco sabia sobre os perigos aos quais os recém-nascidos estão expostos. Em sua visão, o Ahmi Bebê abriu uma janela de oportunidades para ensinar às mães sobre cuidados – principalmente àquelas sem tanto auxílio. A nota para o projeto seria 10, ressalta:
— Ajuda demais, eu achei muito legal. Ajudou um monte, até porque eu sou autônoma, eu trabalho fazendo unhas, então, nesse período que fiquei grávida, eu já não conseguia mais trabalhar tanto. E agora, eu também não consigo tanto, dependo mais da minha mãe, por causa das questões do bebê, que ele tem que ter mais atenção. O projeto auxilia a gente a ter mais cuidado com o nenê e ter responsabilidades em ir frequentemente no médico.
Doações
Para dar continuidade aos projetos, a instituição busca apoio por meio do Clube Ahmi, com mensalidades a partir de R$ 30, de doações voluntárias para projetos específicos ou pela destinação de imposto de renda de pessoas físicas e jurídicas pelo Funcriança. Para doar dinheiro ou itens, é necessário entrar em contato pelo site, pelo e-mail comunicacao@ahmi.org.br ou nos telefones (51)3289-3371/99620-7080.