Desde o dia 14 de setembro, a aposentada Helenita Machado Engel, 68, aguarda por uma transferência hospitalar para realizar uma cirurgia em Porto Alegre. A idosa quebrou o fêmur e está internada no Hospital Santa Luzia, em Capão da Canoa, no Litoral Norte. Helenita é paciente oncológica e luta há 20 anos contra o câncer.
A paciente recebeu recentemente o diagnóstico de metástases no quadril e na coluna cervical. Antes, já havia tratado um tumor primário de rim com avanço para o fígado e pulmão. Em uma noite, perdeu o movimento das pernas e buscou atendimento na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município litorâneo. Durante a transferência de leito, quebrou o fêmur.
Há 26 dias, o seu nome entrou na fila do Gerint, o sistema de regulação de internações da Secretaria Estadual da Saúde (SES). Helenita precisa passar por uma cirurgia considerada de alta complexidade que não é realizada em Capão da Canoa.
— Minha esperança está se esgotando, não sei até quando vou aguentar tudo isso. Estou presa em um leito, sem conseguir me mexer e com dores fortes. Já não sei o que dói mais. Se o fêmur quebrado ou o medo de ter perdido minha chance de recuperação — relatou.
Para acelerar o processo e sair da fila de espera por um leito, a família entrou com um processo judicial para garantir a transferência. No entanto, conforme Helenita, a Justiça solicitou que a cirurgia seja orçada em hospitais particulares. As instituições só informam valores após avaliação médica presencial, o que não é possível diante do quadro clínico e financeiro da paciente. Uma ação no Ministério Público também foi protocolada.
Procurado pela reportagem de Zero Hora, o Hospital Santa Luzia afirmou que não repassa informações sobre pacientes. De acordo com a instituição, casos de alta complexidade são incluídos na Central de Regulação de Leitos do Estado, com gerência da Secretaria Estadual da Saúde. (Leia a nota na íntegra abaixo)
Aumenta o número de pedidos de transferência entre hospitais
O sofrimento da espera por um leito de hospital no Rio Grande do Sul tem afetado cada vez mais pessoas. De acordo com dados da Secretaria Estadual da Saúde, os pedidos de transferências de pacientes aumentaram 38% nos seis primeiros meses deste ano, na comparação com o mesmo período de 2023.
Até agosto, o sistema de gerenciamento de leitos recebeu 18.468 solicitações para mudança entre hospitais do Estado. Os dados apontam uma média de 75 pedidos diários. No ano passado, foram 13.381 solicitações.
De acordo com o chefe da Divisão de Regulação Médica Hospitalar do Estado, Diego Fraga Pereira, o aumento é reflexo da adesão ao sistema que organiza as transferências, mas também das demandas do Sistema Único de Saúde.
Na prática, o paciente que precisa ser encaminhado para outra instituição de saúde, é cadastrado no Gerint pelo hospital onde está internado. O sistema é responsável por gerir o acesso a vagas em hospitais gaúchos e distribuí-los entre os municípios. Para isso, uma equipe de médicos reguladores analisa as informações de cada caso e seleciona qual a instituição com mais condições de recebê-lo.
Após isso, a pessoa entra em espera. O principal fator a ser analisado é o risco de vida. Além de tempo de espera, são levados em conta ordens judiciais e tratamento disponível. No entanto, quem decide aceitar ou não o paciente é o hospital executante.
— Não há prazo para que o paciente seja transferido. Infelizmente alguns casos possuem um tempo de espera maior. O sistema de regulação organiza as situações conforme gravidade. A única preferência é urgência de vida, dentro de cada especificidade — explicou o chefe da Divisão de Regulação Médica Hospitalar do Estado.
O sistema de saúde do Estado é dividido em 30 regiões de saúde agrupadas em 18 coordenadorias regionais. As cidades são agrupadas nas macroregiões Centro-Oeste, Metropolitana, Missioneira, Norte, Sul, Serra e Vales. As cidades possuem hospitais de referência para cada especialidade ou procedimento.
Ainda segundo o diretor, entre as especialidades que mais necessitam de transferências hospitalar estão cardiovascular, urologia e oncologia. Em relação as cidades, Porto Alegre é o município que mais inclui pacientes no sistema. De janeiro a agosto, 5,869 pedidos foram feitos – sendo 1.535 do Hospital de Pronto Socorro da Capital. Santa Maria, Rio Grande e Novo Hamburgo também estão no topo da lista dos que mais solicitam transferências para outros hospitais.
O que diz o Hospital Santa Luzia:
Em cumprimento à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), e de acordo com normas internas da instituição, o Hospital Santa Luzia não pode fornecer informações específicas sobre pacientes.
A direção do Hospital ressalta, entretanto, que quando casos necessitam de acesso a cuidados em estrutura de alta complexidade, a equipe assistencial faz a solicitação de transferência, conforme fluxo da Central de Regulação de Leitos do Estado (Gerint). Quem faz a gerência desse fluxo é a Secretaria Estadual da Saúde.