A era digital trouxe consigo um fenômeno inegável: a internet democratizou o acesso à informação. No entanto, com essa facilidade, abriu-se um caminho perigoso para a disseminação de desinformação, especialmente no campo da saúde. Quando se trata de doenças cardíacas, esse cenário pode ser fatal.
As doenças cardiovasculares seguem sendo a principal causa de morte no Brasil e no mundo, e a Ciência confirma que o controle do colesterol, especialmente do LDL (o "colesterol ruim"), é crucial para prevenir infartos, acidente vascular cerebral (AVC) e outros problemas graves.
A importância de controlar o colesterol
Há cerca de três décadas, foi publicado o primeiro grande estudo que avaliava o uso de medicamentos para tratar o colesterol em pessoas com alto risco cardiovascular. O resultado foi incontestável: diminuir os níveis de colesterol ao longo da vida está diretamente associado à redução da mortalidade cardiovascular.
Desde então, inúmeras pesquisas reforçam a conclusão, em diferentes grupos de pacientes — tanto aqueles que já sofreram infarto, como os que possuem fatores de risco mal controlados, como hipertensão, diabetes, tabagismo, obesidade e, claro, o colesterol elevado. (1-6)
Além disso, estudos recentes comprovaram que a redução dos níveis de LDL deve ser precoce (quanto mais cedo, melhor), intensa (quanto mais baixo, melhor) e duradoura (quanto mais prolongada, melhor). Ou seja, a redução do colesterol deve começar quanto antes e ser mantida ao longo da vida, em níveis cada vez menores.
Aterosclerose: um inimigo silencioso
A aterosclerose, uma condição que causa o endurecimento e estreitamento das artérias, é silenciosa e se desenvolve gradualmente, podendo trazer complicações súbitas, tal qual o infarto e o AVC, muitas vezes, fatais. Por isso, a prevenção e o diagnóstico precoce são essenciais. Para agravar o quadro, muitos pacientes não compreendem completamente seu risco e acabam adiando o tratamento.
Assim, ações coordenadas de conscientização são necessárias, envolvendo não apenas o paciente, mas também suas famílias e o sistema de saúde.
O mito do LDL baixo como fator de risco
Recentemente, estudos epidemiológicos, como o National Health and Nutrition Examination Survey (Nhanes), têm sido mal interpretados, sugerindo que níveis baixos de LDL estariam associados a um aumento no risco de morte. É importante esclarecer que esses estudos são de natureza observacional, ou seja, analisam o comportamento de populações sem investigar diretamente o impacto de terapias que reduzem o colesterol.
Indivíduos gravemente doentes, muitas vezes desnutridos, acabam consumindo o próprio LDL, o que resulta em níveis baixos de colesterol. No entanto, essa condição não é a causa de sua morte, ela apenas reflete seu estado debilitado. Assim, é incorreta a interpretação de que o LDL baixo seja o vilão, mas sim de que ele é consequência de doenças graves pré-existentes.
Os estudos genéticos são uma fonte importante de evidências sobre a segurança do colesterol LDL baixo. O acompanhamento de pessoas com mutações genéticas naturais que levam a níveis baixos de LDL ao longo da vida (por exemplo, gene PCSK9, APOB, LDL receptor) mostram um risco reduzido de doença cardíaca coronariana e não têm efeitos adversos aparentes para a saúde geral. Indivíduos com mutações em ambas as cópias do gene PCSK9 (uma condição muito rara) podem apresentar níveis de LDL-C extremamente baixos, frequentemente abaixo de 20 mg/dL, e essas pessoas apresentam vida normal, sem outras condições de saúde associada.
Ciência contra desinformação
A desinformação, especialmente nas redes sociais, tem levado pessoas a negligenciarem o tratamento do colesterol, comprometendo suas chances de prevenir doenças cardiovasculares. A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), seu Departamento de Aterosclerose (DA) e a Sociedade de Cardiologia do Rio Grande do Sul (Socergs) reforçam que buscar informações confiáveis, como o site da SBC (neste link), e consultar um cardiologista para uma avaliação adequada, são os caminhos mais eficazes para preservar a vida.
Monitorar o colesterol é uma estratégia comprovada para melhorar a saúde cardiovascular e aumentar a expectativa de vida. O controle precoce e prolongado dos níveis de LDL é um fato respaldado pela ciência, e contra isso não há argumentos válidos.
Referências:
- Scandinavian Simvastatin Survival Study (4S): Lancet, 1994; 344(8934):1383-1389.
- Heart Protection Study (HPS): Lancet, 2002;360(9326):7-22.
- JUPITER: N Engl J Med, 2008; 359:2195-2207.
- IMPROVE-IT: N Engl J Med, 2015;372:2387-2397.
- FOURIER: N Engl J Med, 2017; 376:1713-1722.
- ODYSSEY Outcomes: N Engl J Med, 2018;379:2097-2107.