Dermatites e infecções na pele estão entre as diversas doenças que podem ser surgir pelo contato com a água das enchentes. O aumento de casos já era esperado por especialistas e vem sendo observado entre pessoas que estão em abrigos e voluntários que atuam nos salvamentos.
Em entrevista à Rádio Gaúcha na última quinta-feira (16), um dos voluntários que atuava na região das ilhas, em Porto Alegre, fez um alerta sobre o surgimento de lesões avermelhadas, que parecem bolhas e queimaduras, em quem está trabalhando nos resgates e tendo contato com a água por vários dias.
— O pé da gente cria uma espécie de queimadura e, depois da queimadura, uma lesão. Pessoal que está há mais de cinco, seis dias na água está tendo isso nos pés — relatou o voluntário, destacando que foi atendido por médicos da Marinha e que recebeu a indicação de usar uma pomada para evitar que a lesão se agrave.
Consultada pela reportagem de GZH, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre informou que casos semelhantes foram atendidos na capital gaúcha, mas apontou que não há quantitativo ou percentual. O surfista Pedro Scooby, que veio para o Rio Grande do Sul atuar como voluntário, também fez um relato semelhante pelas redes sociais. Sem dar muitos detalhes, ele afirmou que estava com feridas nos pés devido ao contato com a água.
Especialistas ressaltam que não é possível saber exatamente a qual doença os voluntários se referem e que os casos podem envolver mais de um quadro de saúde. Também garantem que dermatites e infecções de pele e em tecidos moles são esperadas em pacientes que tiveram contato com a água — sobretudo se for por tempo prolongado.
— Não é uma água limpa, pode ter detritos e vários tipos de patógenos, porque pode estar misturada com esgoto. Então, podemos ver tanto lesões primárias quanto a piora de lesões secundárias. Os problemas mais frequentes são dermatites, mas podemos ver também celulite e erisipela, que são infecções mais que acometem camadas mais profundas da pele — resume Cezar Vinicius Wurdig Riche, infectologista da Santa Casa de Porto Alegre.
De acordo com a dermatologista Juliana Catucci Boza, que é primeira secretária da Sociedade Brasileira de Dermatologia secção Rio Grande do Sul (SBD-RS), estão sendo observados muitos casos de diferentes lesões de pele nos abrigos. Alguns dos diagnósticos mais frequentes são infecções fúngicas, bacterianas e também dermatite de contato irritativa, que é uma inflamação da barreira cutânea e se manifesta em forma de lesões avermelhadas e descamativas, podendo causar sintomas como coceira e queimação.
Além disso, os quadros de intertrigo micótico e tinea pedis (pé-de-atleta) também são comuns entre abrigados e socorristas. Juliana explica que essas lesões se apresentam com áreas de vermelhidão e descamação nos pés e entre os dedos.
— São doenças causadas por fungos e podem ser transmitidas pelo homem, por alguns animais e pelo solo. Esses tipos de fungos podem, inclusive, causar lesões em outras partes do corpo, e gostam de ambientes com muita umidade. Por isso, vivemos um momento em que esse tipo de infecção se torna mais prevalente.
A especialista alerta que essas lesões podem funcionar como uma porta de entrada para infecções bacterianas. Portanto, é fundamental procurar um médico e fazer o tratamento adequado, tanto com antifúngicos tópicos quanto por medicamentos via oral — essa escolha depende da apresentação e da extensão das lesões.
— Todas essas lesões precisam ser avaliadas e tratadas. Nós, dermatologistas da Sociedade Brasileira de Dermatologia, temos realizado uma força tarefa nas áreas de resgate e abrigos, e temos visto também muitos pacientes com escabiose (sarna) e pediculose (piolhos). Estamos avaliando e prescrevendo tratamento — comenta Juliana.
Infecções
Erisipela e celulite são algumas das infecções bacterianas que se aproveitam dessa “porta de entrada” deixada por outras lesões, afirma o infectologista da Santa Casa. A erisipela, em específico, se manifesta com pequenas feridas e quadros progressivos de vermelhidão, dor, edema e, muitas vezes, febre.
— Os sintomas vão progredindo com piora e as lesões podem ser bolhosas ou não. São mais frequentes em membros inferiores e podem aumentar em extensão e gravidade das lesões. Nas enchentes, os pés e pernas ficam mais tempo submersos, por isso, servem de porta de entrada. Então, geralmente começa neles — esclarece Riche.
A recomendação dos especialistas é que se evite o contato da água com as lesões na pele. Ambos ressaltam que a bactéria da leptospirose também pode entrar a partir desses ferimentos, gerando um quadro ainda mais grave.
— Dentro do possível, é preciso usar equipamento de proteção individual (EPI) adequado, como botas e vestimenta de borracha, para evitar o contato com a água. E, ao sair da água, é preciso lavar o corpo com água limpa e sabão, remover a sujeira e secar adequadamente — diz o infectologista, enfatizando que as lesões precisam ser avaliadas por uma equipe de médicos para a definição do tratamento adequado.
Surgimento de feridas, dor, edema, vermelhidão, calor, febre e dificuldade para caminhar são alguns dos sinais de alerta para os quais as pessoas precisam estar atentas. Além de procurar atendimento em unidades de saúde e hospitais, quem precisar de uma avaliação especializada pode entrar em contato diretamente com a SBD-RS, pelo e-mail sbdrs@sbdrs.org.br ou pelo Instagram @dermatologiars, informando que é socorrista ou abrigado. Conforme Juliana, as demandas serão atendidas por dermatologistas voluntários de forma presencial ou online.