Em uma linha do tempo pontuada por distintas fases, tendo como principal marcador positivo o início da vacinação da população, a pandemia de coronavírus, decretada há dois anos e quatro meses, vitimou diferentes perfis de pacientes. Hoje em dia, quando são claramente observáveis os benefícios da ampla vacinação, especialistas afirmam que se destacam, entre os mais vulneráveis, aqueles com uma ou mais doenças crônicas preexistentes.
Fabiano Nagel, médico intensivista e chefe da Unidade de Gestão do Paciente Crítico do Centro de Tratamento Intensivo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), resume quem são os pacientes com quadro de covid-19 agravado: os muito doentes (de outras causas), mais velhos e não imunizados ou com esquema incompleto.
Em primeiro lugar, Nagel destaca a diminuição linear das internações à medida em que a vacinação progrediu. Quanto à faixa etária, aumentou cerca de 20 anos em relação aos que mais seriamente adoeceram entre 2020 e 2021. Em terapia intensiva, no HCPA, estão hoje, em geral, pacientes a partir de 60 ou 70 anos.
— Agora, praticamente 100% dos pacientes que internam têm três ou mais comorbidades: doença pulmonar, hipertensão, diabetes, câncer, cardiopatia, doença vascular, AVC prévio. Os que acabam ingressando na UTI com covid ou por covid são mais doentes do que antes. Não necessariamente mais graves, mas com mais comorbidades — comenta o intensivista.
Ainda há quadros pulmonares críticos, característica de boa parte do tempo decorrido da era da covid-19, mas a maior parte dos pacientes vai para a UTI por outros motivos.
— Antes, eles eram inventiláveis (em referência ao uso de ventilação mecânica, que auxilia o paciente a respirar), morriam de insuficiência respiratória. Hoje a maioria dos pacientes com covid que interna na UTI do HCPA acaba falecendo por comorbidades relacionadas à causa da internação, como infarto ou complicação de cirurgia abdominal — diz Nagel.
Pessoas que não se vacinaram ou não tomaram todas as doses previstas, especialmente as de reforço, ainda podem desenvolver complicações pulmonares bem mais severas — não necessariamente como no início da pandemia —, exigindo suporte ventilatório. A letalidade, entre esses, também é mais elevada, aponta o médico do HCPA.
— É difícil ser categórico, mas, provavelmente, a letalidade dos não vacinados ou parcialmente vacinados pode ser o dobro da dos vacinados — estima Nagel. — Ainda nos damos por surpresos com pacientes sem nenhuma dose ou que tomaram a primeira e não tomaram a segunda — acrescenta.
A imunização também diminuiu a quantidade de pacientes menos graves:
— Pacientes saudáveis com covid, quase não vemos mais. Nem acontece mais. Até temos alguns jovens, mas que são muito doentes, com neoplasias, diabetes avançado, obesidade, doença pulmonar prévia.
No Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), as comorbidades também são comuns à maioria dos internados em situação delicada. As condições mais vistas, de acordo com o infectologista Diego Falci, são imunossupressão (transplantados, usuários de medicação imunossupressora devido a doença autoimune), doenças reumatológicas, cardiopatias.
— Esses pacientes pioram por causa da covid. Eventualmente, necessitam de suporte de oxigênio e transferência para a UTI — diz Falci, chefe do Serviço de Infectologia do HSL.
O que se destaca entre as hospitalizações são pacientes que acabam sendo internados por outros problemas — cirurgias, infecções diversas etc. — e, nos exames de rastreamento, acaba se descobrindo o diagnóstico positivo para coronavírus.
— Eles evoluem bem na maioria das vezes. Isso mostra que o vírus está circulando, como a gente sabe, e que, felizmente, os vacinados, sem comorbidades maiores, acabam evoluindo bem — observa o infectologista.
Como no HCPA, os casos sérios de covid-19 do HSL se referem a pacientes com idades mais elevadas, especialmente entre idosos. Falci afirma que praticamente inexistem não vacinados.
— Com zero doses, é raríssimo. Mas temos visto esquemas incompletos, com uma ou duas doses. Considero esquema completo aquele já com reforço — ressalta o infectologista, argumentando que duas aplicações apenas não são mais suficientes. — Entre os pacientes que estão evoluindo pior, alguns têm esquema incompleto — completa.
Manter o incentivo à vacinação, um componente que revolucionou a saúde pública muito antes da crise sanitária mundial do sars-cov-2, é essencial.
— Se não fosse a vacinação, ainda estaríamos nos digladiando com aquela situação pavorosa (dos piores momentos da pandemia no país). A vacinação deve continuar porque a covid não vai desaparecer — recomenda Nagel.