Quase um ano e meio depois do início da campanha nacional de imunização contra a covid-19 no Brasil, com quatro vacinas aprovadas para uso no país, as orientações para a população e os calendários divulgados pelas prefeituras foram ficando cada vez mais complexos. São diversas especificidades em relação a intervalos, grupos prioritários e faixas etárias.
Com a introdução dos reforços, começou a ser implementada a chamada vacinação heteróloga, realizada com doses de imunizantes diferentes. Em dezembro, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou documento com recomendações para a prática. No Brasil, as orientações constam do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO), do Ministério da Saúde.
Recentemente, a pasta comandada por Marcelo Queiroga divulgou que pesquisa encomendada pelo ministério à Universidade de Oxford, no Reino Unido, “mostrou que a combinação heteróloga para a dose de reforço é mais eficaz”. A reportagem pediu mais informações à assessoria de imprensa, mas não obteve retorno até a conclusão deste texto.
Paulo Gewehr Filho, médico infectologista e coordenador do Núcleo de Vacinas do Hospital Moinhos de Vento (HMV), explica que os esquemas heterólogos surgiram a partir de questionamentos científicos, em um contexto de falta ou escassez de vacinas.
— Os estudos mostraram que esquemas heterólogos eram seguros e conferiam, em termos gerais, mais proteção do que esquemas homólogos. Veio o conhecimento de que misturar vacinas melhorava a resposta imunológica, aumentando a proteção — afirma Gewehr.
É importante frisar que uma campanha de vacinação dessa envergadura demanda grande empenho logístico. Adaptações podem ser feitas, conforme a necessidade, a partir do que é divulgado pelo Ministério da Saúde e repassado aos municípios pelos governos estaduais. O ideal é que cada morador se informe junto à secretaria de Saúde de sua cidade sobre o andamento da campanha local.
Frequentes no início da vacinação, os “sommeliers de vacina”, que peregrinavam pelos postos em busca da dose de sua preferência — muitas vezes, incentivados por fake news de redes sociais —, voltaram a circular pelos pontos de vacinação. O infectologista do HMV diz que a população deve aceitar receber o imunizante disponibilizado, frisando que o mais importante é se vacinar.
— Num cenário sem vacinas, não se pode escolher — ressalta o médico.
No momento, quando parte da população vai se habilitando a receber a quarta dose, GZH elenca algumas das principais dúvidas sobre o tema, respondidas pelo médico infectologista Paulo Gewehr Filho e também com base nas diretivas do PNO.
O que é vacinação homóloga?
Quando são utilizados os mesmos imunizantes no esquema vacinal. Foi o que ocorreu no início da campanha, em 2021. Quem recebeu a primeira aplicação de CoronaVac, AstraZeneca ou Pfizer tomou também a segunda dose do mesmo fabricante. Era o que estava previsto nos estudos realizados até então.
O que é vacinação heteróloga?
Diversas pesquisas, segundo Gewehr, indicam a segurança e a proteção oferecida por esquemas heterólogos, que utilizam vacinas diferentes. Em dezembro do ano passado, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou recomendações sobre o tema, especialmente para países que enfrentam escassez de imunizantes. “Misturar” vacinas pode, inclusive, aumentar a proteção contra adoecimento grave e morte, os principais objetivos dos imunizantes desenvolvidos contra a covid-19.
Ainda há dúvida sobre as vantagens do esquema heterólogo?
Não. O esquema heterólogo é melhor do que o homólogo para algumas vacinas. No caso de vacinas produzidas com a tecnologia de RNA mensageiro (RNAm), como a da Pfizer, pesquisas mostram que aplicar a mesma dose no início da imunização e também nos reforços possibilitou manter a proteção. Mas, como frisa Gewehr, em um cenário de falta ou escassez de imunizantes, não se pode escolher — o certo é tomar a vacina que está disponível na unidade de saúde.
Meu esquema inicial de duas doses foi feito com o mesmo imunizante. Quem tomou a terceira dose da mesma vacina está menos protegido do que quem recebeu uma vacina diferente das duas primeiras?
No caso da Pfizer, a proteção é mantida com reforços do mesmo fabricante. Para quem recebeu CoronaVac na primeira e na segunda dose, é melhor misturar a partir daí. Para os imunizantes da Janssen e da AstraZeneca, reforços heterólogos, principalmente de RNAm (Pfizer), conferem maior proteção.
Quais imunizantes podem ser usados como reforço (terceira e quarta doses)?
De acordo com estudos científicos, as vacinas de RNAm (Pfizer) e vetores virais (AstraZeneca e Janssen) têm prioridade. A CoronaVac pode ser utilizada quando for a única disponível ou indicada para grupos específicos, como é o caso de gestantes e puérperas a partir de 12 anos (preferencialmente, deve-se aplicar a Pfizer).
No PNO, atualizado pela última vez em maio deste ano, os imunizantes indicados para as doses de reforço são, na grande maioria das vezes, Pfizer, AstraZeneca e Janssen. Para alguns públicos específicos, como idosos a partir de 60 e 70 anos, o texto é bem explícito na contraindicação da CoronaVac: “As plataformas de vacinas inativadas não estão recomendadas para a finalidade descrita neste documento até que tenhamos disponíveis novas evidências científicas sobre a sua efetividade como doses de reforço em idosos e imunocomprometidos”.
Quem tomou duas doses de Janssen (a então dose única mais o primeiro reforço) precisa receber outra vacina na terceira e na quarta doses?
É o mais recomendado, responde Gewehr, seguindo-se o princípio da vacinação heteróloga. A pessoa que iniciou seu esquema com Janssen pode tomar, na terceira e na quarta aplicações, uma dose de Pfizer e uma de AstraZeneca, ou duas de Pfizer, ou duas de AstraZeneca, de acordo com as informações científicas disponíveis até o momento.
Conforme o Ministério da Saúde, os reforços para quem começou o esquema vacinal com Janssen devem ser feitos com AstraZeneca, Pfizer ou Janssen.
Quais grupos e faixas etárias devem receber apenas Pfizer?
Crianças de cinco anos, por exemplo. Gewehr destaca estudos indicando que esse imunizante funciona muito bem em imunossuprimidos (pacientes com deficiências no sistema de defesas do organismo, como indivíduos com HIV ou em tratamento para câncer). Uma pessoa também pode ter contraindicação de uso de determinada vacina por um motivo plausível, como alergia. Se você teve reação alérgica após a vacinação, deve receber outra, no momento da aplicação seguinte, para evitar o risco de complicações mais graves.
Quem não pode tomar vacinas diferentes?
Quanto à vacina da Pfizer, frisa o infectologista, há estudos mostrando que funciona bem para imunossuprimidos. Mas, se não houver disponibilidade de Pfizer, é possível receber doses de outros imunizantes.
— Em outros países, é assim que funciona — exemplifica Gewehr.
A CoronaVac pode ser administrada como segundo reforço ou quarta dose?
Poder, pode, informa Gewehr. Não é a vacina com melhor eficácia na quarta dose, mas é melhor do que não se imunizar, pondera o médico.