Uma doença com sintomas conhecidos, mas de origem incerta. Assim é definida por especialistas a hepatite infantil aguda que tem preocupado a área da saúde em todo o mundo nos últimos dias.
Até a última terça-feira (10), a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou mais de 348 casos da doença em pelo menos 20 países. Até agora, uma morte foi confirmada oficialmente por causa da hepatite misteriosa.
No Brasil, dados do último sábado (14) divulgados pelo Ministério de Saúde (MS) indicavam 44 casos suspeitos em investigação em nove Estados, além de três descartados. Do total em análise, são três casos no Rio Grande do Sul, mas as cidades e outros detalhes dos pacientes não foram informados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES).
A SES emitiu uma nota orientando os profissionais da área sobre a questão. A ideia é que os profissionais notifiquem possíveis casos, inclusive de forma retroativa. Já o MS anunciou a criação de uma Sala de Situação, onde técnicos e especialistas monitoram, diariamente, casos notificados como suspeitos e investigam as possíveis causas da doença.
O que é a hepatite?
A hepatite é uma infecção no fígado provocada, na maioria das vezes, por vírus, mas que também pode ser resultado do uso de medicamentos, resposta do organismo, abuso de álcool e contato com sangue ou secreções contaminados.
Ela é classificada em seis tipos. No Brasil, as mais comuns são as A, B e C. Há também, com menor frequência, o vírus da hepatite D e, por fim, o E, mais comum na África e na Ásia. Um levantamento de 2021 do Ministério da Saúde indica que, entre 1999 e 2020, foram notificados 689.933 casos de hepatites virais no Brasil. A doença causou, no período de 2000 a 2019, 78 mil mortes no país.
Sintomas e tratamento
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), braço da OMS nas Américas e no Caribe, os pacientes com hepatite aguda apresentaram sintomas gastrointestinais, incluindo dor abdominal, diarreia, vômitos e icterícia (quando a pele e a parte branca dos olhos ficam amareladas). Não houve registro de febre.
O tratamento atual busca aliviar os sintomas e estabilizar o paciente se o caso for grave. As recomendações de tratamento devem ser aprimoradas assim que a origem da infecção for determinada.
Os pais devem ficar atentos a sintomas como diarreia ou vômito e a sinais de icterícia. Nesses casos, deve-se procurar atendimento médico imediatamente.
O virologista e pró-reitor da Universidade Feevale Fernando Spilki diz que essa característica tem surpreendido os especialistas, que ainda têm poucas respostas sobre a origem da enfermidade.
– Nos aspectos clínicos e nos achados gerais de laboratório, (a nova doença) é parecida com as hepatites virais causadas pelos vírus conhecidos. Não se consegue identificar os vírus clássicos, de A a E, e não há a presença de outros causadores da doença nessa faixa etária (em crianças) — explica.
Quando um caso é considerado suspeito?
Segundo a SES, pela definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), um caso é considerado como provável quando a pessoa apresenta hepatite aguda e que tenha sido descartada todos os vírus conhecidos causadores da doença (A, B, C, D ou E). Nesses casos, outros exames são feitos para determinar se a causa pode ser outra, como adenovírus, covid-19 ou arboviroses (dengue, zika e chikungunya).
As causas possíveis
Estudos em andamento buscam descobrir se há ligação entre a hepatite desconhecida e o adenovírus do tipo 41, um vírus que costuma causar diarreia, vômito, febre e, às vezes, problemas respiratórios. Ele foi encontrado nos exames na maioria dos pacientes do Reino Unido e, por enquanto, é considerado o maior suspeito de causar a doença.
– Talvez possar ser alguma alteração do genoma do adenovírus 41 que leve a uma mudança do perfil da patogenicidade do vírus, do tipo da doença que causa. O adenovírus não tem característica de evolução tão rápida. Outra hipótese é de um agente ainda desconhecido, um microrganismo, uma bactéria, por exemplo, que possa levar a essa complexidade – diz Spilki.
Fabrizio Motta, supervisor médico do Controle de Infecção e Infectologia Pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre, é cético quando à relação entre covid-19 e a hepatite desconhecida.
– A hepatite não foi um achado frequente durante a pandemia. Então, não se esperaria ter casos assim agora. Não parece uma coisa que estamos acostumados a ver, é mais intenso, em relação a outras hepatites, com exceção da A (a mais branda) – afirma.
Outra possibilidade descartada pelo médico é sobre a relação da doença com o uso de imunizantes usados no combate à covid-19 por partes dos pacientes infectados. A OMS já descartou a relação entre a doença e a vacina.
– Não tem nenhuma relação com vacina. A maioria (dos pacientes) tem menos de cinco anos e não recebeu nenhuma vacina contra a covid-19 porque não está liberada para essa faixa etária. Por isso não tem relação, é uma hipótese descartada – conclui Motta.