A partir de sábado (20), o Rio Grande do Sul entra em uma nova fase de flexibilizações de protocolos sanitários voltados ao controle da pandemia de coronavírus. Na quarta-feira (17), o governo do Estado anunciou a retirada do teto de ocupação de locais abertos e fechados e da multa por descumprimento a essa regra, medidas que devem ser detalhadas em decreto publicado até sexta-feira. A observação da distância mínima de um metro entre pessoas em locais públicos e privados também deixou de ser obrigatória, mas permanece sendo recomendada.
A medida é vista com cautela por virologistas, infectologistas e epidemiologistas, já que entendem que a responsabilidade pelo controle da pandemia passa a ficar a cargo do cidadão.
Em entrevista ao programa Timeline da Rádio Gaúcha, nesta quinta-feira (18), o virologista Fernando Spilki, professor da Feevale e coordenador da Rede Corona-ômica do Ministério da Ciência, falou que esperava que as novas flexibilizações fossem menos extensas do que as medidas anunciadas pelo governo. Ele também afirmou que havia expectativa, diferentemente do que foi determinado, de que as medidas levassem em consideração o cenário específico de cada região gaúcha, já que há locais em que a rede de saúde está mais pressionada do que em outros.
— Imaginávamos que viria alguma flexibilização em relação ao uso da máscara em ambientes abertos, com pouca aglomeração. Paulatina, que é a maneira ideal de fazer esse tipo de coisa, você introduz uma flexibilização e vai vendo. Se está tudo bem, você passa para o próximo passo. O que nos impressionou um pouco é a extensão das medidas, já não é mais uma flexibilização, mas uma normalização da maioria das questões. E também a transferência da responsabilidade do cuidado para o cidadão. Nem todos têm o mesmo acesso à informação ou fazem a mesma leitura da informação. Tomara que essas flexibilizações não se revelem prematuras mais para frente — afirma Spilki.
Algumas medidas sanitárias de combate a pandemia seguem valendo. É o caso do uso de máscara obrigatório, previsto em lei federal, o isolamento domiciliar de quem tem sintomas de covid-19, a oferta de água e sabão ou álcool 70% para limpeza das mãos e a comprovação de vacinação contra a covid-19 para participar de atividades de maior risco ou aglomeração, como é o caso de competições esportivas, eventos de entretenimento (festas) e casas noturnas, cinemas, teatros, shows e demais ambientes de espetáculo, feiras, exposições e congressos, parques de diversão, temáticos, aquáticos e de aventura, jardins botânicos e zoológicos, além de outros atrativos turísticos.
De acordo com a professora de Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzi Camey, um dos indicadores que embasa as novas flexibilizações é a observação de queda na ocupação de leitos clínicos. Conforme dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES), de setembro ao início de novembro deste ano, o número de hospitalizações no Estado variava próximo de 450 internados. Desde o dia 10 de novembro, entretanto, o número é inferior a 400.
— Temos um cabo de guerra que é a vacinação e as medidas de distanciamento contra o vírus que tenta infectar cada vez mais pessoas. Nesse momento estamos ganhando a guerra, pois estamos conseguindo diminuir o número de internados, que hoje é nosso principal indicador de disseminação da doença, uma vez que há muitas pessoas assintomáticas ou infectadas, mas com sintomas leves. Em novembro, começamos a ter retomada da queda da ocupação dos leitos clínicos e, hoje, são cerca de 312 pacientes adultos ou crianças internados — afirma Suzi
Para optar por estas novas flexibilizações, o Piratini tomou como base o avanço da vacinação no Estado e as evidências de que a imunização tem sido eficaz, já que 90% dos óbitos por covid-19 entre a população de 18 a 39 anos, de setembro para cá, ocorreram entre pessoas não vacinadas ou sem vacinação completa. Na manhã desta quinta-feira (18), o painel que monitora a imunização no Estado apontava que 65,7% da população total residente no RS já estavam com o esquema vacinal completo.
Suzi avalia que esse momento do RS permite avançar na direção do retorno à normalidade, mas que as medidas de proteção individual não devem perder sua importância.
— Começamos a caminhar para um momento da pandemia de decisões individuais. Lá no início, o governo tinha que garantir medidas para conseguir atender todo mundo que precisasse. No cenário atual conseguimos atender quem precisar, mas cabe a cada um decidir se vai querer correr o risco de precisar de internação. É preciso que as pessoas entendam que, sim, aumentam seu risco de se infectar se forem a uma festa com um monte de gente, em ambiente fechado. A principal mensagem é de que aquelas medidas que são possíveis de serem feitas de forma individual devem ser mantidas, como usar máscara, manter o ambiente ventilado e evitar aglomerações – afirma Suzi.
Luciano Goldani, infectologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ratifica que tem havido melhoras no quadro epidemiológico do Estado, com menos óbitos e casos da doença e mais leitos livres. No entanto, por tratar-se de um vírus que se comporta de forma inesperada, é necessário prudência nas flexibilizações, que avalia estarem sendo feitas de forma abrupta. Ele cita os exemplos de países como Estados Unidos, Alemanha e Áustria, que foram surpreendidos por novas ondas da doença após o afrouxamento de restrições ou diante de baixas taxas de imunização.
Com as novas flexibilizações no RS, Goldani reforça que é preciso atenção aos indicadores e reação rápida caso seja necessário dar um passo atrás.
— Os ambientes fechados são os que mais preocupam, pois são onde há maior risco de contaminação, ainda tem muita gente se infectando. As flexibilizações nesses ambientes deveriam ser feitas com mais cautela e prudência. Essa questão de retirar o teto de ocupação em lugares fechados poderia ter sido feita de forma mais vagarosa. Temos uma porcentagem alta de vacinados, mas ainda insuficiente para nos tranquilizar. Há uma grande parcela de crianças não vacinadas, não estamos em um nível de excelência, que seria beirando os 90% de população total vacinada. As flexibilizações deveriam ser feitas de forma gradativa, não de forma abrupta — afirma Goldani.