Profissionais da área da saúde e entidades médicas e de pesquisa do Brasil afirmam que o vaivém do Ministério da Saúde nas regras sobre a vacinação contra a covid-19, contrariando muitas vezes o próprio órgão regulatório da vacinação, que é a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), acaba gerando insegurança na população quanto à eficácia do principal meio de combater o coronavírus.
A mais recente ação do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que mais trouxe dúvidas do que esclarecimentos, de acordo com a classe médica, ocorreu durante a entrevista coletiva na quinta-feira (16), quando ele orientou a suspensão da vacinação de adolescentes sem comorbidades por conta de eventuais efeitos adversos.
O ministro afirmou que, dos 3,53 milhões de adolescentes já imunizados no Brasil, 1,5 mil deles tiveram efeitos adversos, representando 0,042% do total. Desses, 95% teriam recebido vacinas não liberadas para a faixa etária, o que é considerado erro de aplicação.
Para uma das diretoras da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBim), Flávia Bravo, a fala do ministro foi lamentável, pois há evidências robustas da eficácia e da segurança da vacina da Pfizer em adolescentes. Ela esclarece que mesmo podendo ocorrer eventos adversos, o que é possível em qualquer vacina, a taxa é infinitamente favorável à vacinação. O que, inclusive, foi constatado durante a própria explanação do ministro, na coletiva de quinta.
— É triste dizer isso, mas há uma falta de confiança em informações de saúde, de um modo geral, geradas pelo Ministério da Saúde, que é quem deveria centralizar, coordenar e ser uma referência para informação de qualidade. Existe aquela máxima de que "com um estrago feito, você precisa de muitos bons feitos para poder apagar aquele estrago". É mais ou menos isso que ocorre. A Sociedade Brasileira de Imunizações, a Sociedade Brasileira de Pediatria, a Sociedade Brasileira de Infectologia e a própria Anvisa já se manifestaram analisando esta nota técnica que, até agora, é difícil de entender o motivo. Certamente, não foram baseadas em dados científicos e nem na opinião do meio científico e médico — destaca a médica pediatra, que também é membro da Comissão Técnica para Revisão dos Calendários Vacinais e Consensos da Sbim.
Docente da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a infectologista Rachel Stucchi atesta que a ação do ministro da Saúde foi um desserviço à campanha de vacinação contra a covid-19. Rachel é taxativa: a população resiste aos desmandos do Ministério da Saúde e mantém boa adesão à vacinação.
— Nesta fala de ontem (quinta-feira), o texto foi horroroso, de mau entendimento e muito mal escrito, com argumentos que não justificariam uma mudança desta magnitude. Possivelmente, o que está por trás desta decisão é muito mais uma dificuldade de distribuição do quantitativo de vacinas, que é inferior ao que necessitamos neste momento para atender grupo prioritário e completar a segunda dose e a dose adicional em idosos e imunossuprimidos. Porém, o ministério achou melhor criar um pânico falando da investigação de uma reação adversa grave. E isso deixa todos muito inseguros — argumenta Rachel.
A médica infectologista Andréa Dal Bó, membro da Sociedade Riograndense de Infectologia (SRGI), explica que o órgão regulador de farmocovigilância e que avalia risco com relação à vacina é a Anvisa. Andréa culpa o Ministério da Saúde pela falta de coordenação da campanha de vacinação:
— Temos uma enxurrada de informações desencontradas e também a falta de uma orientação única e de uma coordenação da vacinação. A própria Anvisa em momento algum se colocou contrária à permanência da vacinação de adolescentes. Falta (ao Ministério da Saúde) uma coordenação centrada e também ouvir a opinião de especialistas da área.
As três especialistas salientam que o Ministério da Saúde publicou a nota sem consultar o comitê técnico, nem mesmo do próprio Programa Nacional de Imunização. Flávia aponta que a decisão partiu apenas do Ministério da Saúde.
— O que faz com que levantemos questões a respeito do nível de conhecimento científico ou de experiência com imunizações, ou foi só uma intensão política mesmo — justifica a diretora da Sbim.
Rachel identifica a fala do ministério como uma sucessão de erros graves.
— O ministro acabou conclamando as mães a não levarem os filhos à vacinação. Se alguém contasse que eu vivenciaria isso, diria que estaria alucinando. Precisamos ter vacina e completar a vacinação. E não ficar o próprio Ministério da Saúde como responsável por divulgar notícias falsas — argumenta Rachel.
Andréa completa, dizendo que a vacina contra a covid-19 é segura e deve ser feita.
— Se a pessoa está na faixa etária, deve procurar ou levar o seu filho. Só assim, com a vacina, com o uso da máscara e o distanciamento social, é que conseguiremos vencer a covid-19. A esta altura do campeonato, temos que afirmar algo tão óbvio. Se não houvesse o avanço da vacinação, não estaríamos vendo a redução de casos e internações, como estamos acompanhando. Isso se deve, única e exclusivamente, à vacinação e ao uso de máscara — resume Andréa.