Cerca de um mês e meio após a confirmação de que a variante Delta do coronavírus já tinha transmissão comunitária em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, a pandemia mantém tendência de declínio no país.
Dados do Ministério da Saúde indicam que a média diária de novos casos caiu 33% ao longo de agosto, e a de óbitos recuou em nível praticamente igual, com declínio de 32% até segunda-feira (30). Especialistas ainda não têm certeza sobre as razões que estão contribuindo para reduzir o impacto da nova cepa, mas ressaltam que o descuido com medidas de prevenção, sob índices de cobertura vacinal ainda insuficientes, pode resultar em um novo agravamento da pandemia.
Enquanto países como Estados Unidos e Israel veem as contaminações voltar a disparar por efeito da variante, a média móvel de novos casos (calculada sempre com base nos sete dias anteriores) no Brasil diminuiu de 35,6 mil ao dia no começo do mês para 24 mil no início desta semana, e a de mortes variou de 987 para 675 (veja no gráfico abaixo). Ainda assim, o epidemiologista e professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal compara o cenário atual da covid-19 no Brasil a um “cabo de guerra”:
– Temos um cabo de guerra entre a Delta e a vacinação, em meio a uma população em que mais gente já foi contaminada em comparação a outros lugares, então o pool de suscetíveis (pessoas mais sujeitas à infecção) é um pouco menor.
Isso quer dizer que, se por um lado a maior transmissibilidade dessa cepa tende a elevar a proporção de doentes, a imunização completa de quase 30% da população ajuda a reduzir o impacto do vírus – ao lado do distanciamento e do uso de máscaras.
A variante chegou a responder por 59% das amostras de coronavírus analisadas pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) neste mês, até a semana passada, mas a inclusão de novos exames nos últimos dias fez esse percentual recuar para 46,5% até a segunda-feira (30). Uma das principais dúvidas entre epidemiologistas e infectologistas é por que a Delta ainda não foi capaz de reverter a tendência de declínio da pandemia, considerando que a maioria das pessoas ainda não tem proteção vacinal completa.
Um dos motivos pode ser o fato de que, enquanto em países como Estados Unidos, Inglaterra ou Israel essa mutação já responde por praticamente todas as infecções, aqui ainda se encontra em um patamar mais baixo. Outra hipótese é a influência provocada pela presença anterior de outra cepa, a Gama.
– A Delta está um pouco atrasada aqui, mas acho que não é só isso. A Delta tem possibilidade de não causar tantos danos aqui (em comparação a outros países) porque a Gama causou um estrago mais forte do que se viu em outros lugares. Mas não temos uma resposta definitiva, ainda – complementa Hallal.
As mudanças não estão sendo abruptas, e já temos um bom tempo de acompanhamento
ALEXANDRE ZAVASCKI
Infectologista
O Ministério da Saúde, conforme matéria do jornal Folha de S.Paulo, estima que a combinação entre a Delta, a maior proteção vacinal que ela exige e o aumento de flexibilizações pode levar a um novo aumento de hospitalizações em setembro. Mas, na avaliação do infectologista Alexandre Zavascki, por enquanto não há indicativo de uma reversão muito brusca:
– As mudanças não estão sendo abruptas, e já temos um bom tempo de acompanhamento (da nova cepa). Por isso, não acredito que devemos, até este momento, esperar um salto muito grande de hospitalizações.
Zavascki afirma que outra possibilidade para o cenário mais estável é a hipótese de a variante Gama, predominante no Brasil, conferir uma proteção imunológica maior para quem já se infectou em comparação a outras cepas, como a Alfa, que predominava na Europa e nos Estados Unidos antes da chegada da mutação de origem indiana. Além disso, muitos países já haviam abolido o uso de máscaras e voltado a permitir eventos públicos.
Outro ponto a ser considerado é que os Estados brasileiros apontam diferentes níveis de expansão do vírus. O acumulado semanal de novos casos por 100 mil habitantes é mais elevado neste momento em pontos do Centro-Oeste, como Goiás, Mato Grosso e Distrito Federal, e muito mais baixo em Estados do Norte e do Nordeste, como Amazonas, Amapá, Acre e Sergipe. A diferença na incidência de contaminação entre Goiás e Sergipe, em pontos extremos desse ranking, chega a 20 vezes (veja detalhes no gráfico abaixo).
Estados como o Rio de Janeiro também sentem uma maior pressão da Delta, o que levou a prefeitura do Rio a adiar por tempo indeterminado planos de flexibilização de restrições.
– A capacidade da Delta de se se expandir vai depender do avanço da imunização, especialmente a completa, mas é possível que avance ainda em setembro e outubro. Temos flexibilizações mais intensas, o que pode acarretar um território mais propício para a variante. É importante lembrar que a pandemia ainda não acabou – observa o médico infectologista Ronaldo Hallal, consultor da Sociedade Riograndense de Infectologia.