Nas últimas semanas, a pandemia assumiu um novo comportamento no Rio Grande do Sul: o número geral de hospitalizações em leitos clínicos ou de terapia intensiva (UTI) deixou de acompanhar o crescimento de novos casos de coronavírus verificado desde o final do mês passado.
A estabilidade nos hospitais, porém, ocorre em patamar elevado. Isso deixa a mortalidade igualmente alta e mantém o risco de sobrecarga no sistema de atendimento, principalmente diante da possibilidade de chegada de novas variantes.
O acumulado semanal de exames positivos entrou em tendência de alta em 28 de maio, quando foram registrados 197 novos diagnósticos por cem mil habitantes. O boletim regional do Comitê de Dados gaúcho desta terça-feira (15), com informações disponíveis até a véspera, aponta uma média atual de 279. Isso representa um avanço de 42% no ritmo de contaminações em pouco menos de três semanas.
Ao longo do mesmo período, as internações de pacientes com coronavírus em leitos clínicos recuaram cerca de 5%, e a demanda por UTIs subiu apenas 6,6% — mas, há pouco mais de uma semana, entrou em estabilidade. Em Porto Alegre, o número de doentes com diagnóstico confirmado nas UTIs variou de 431 em 6 de junho para 384 até o começo da tarde desta terça.
— Estamos vendo uma nova fase da pandemia no Rio Grande do Sul. A quantidade de novos casos apresenta um crescimento até preocupante, mas a ocupação de leitos não segue esse avanço — afirma a estatística especializada em epidemiologia, membro do Comitê de Dados e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Suzi Camey.
Uma análise mais detalhada dos dados indica que, em 7 de junho, houve a inclusão no sistema informatizado do Ministério da Saúde de 4,8 mil casos de infecção represados referentes a Porto Alegre. Mas Suzi observa que a tendência já era de alta mesmo antes desse ajuste, e que a aceleração se manteria mesmo sem esse acréscimo em razão de um cenário mais generalizado. No boletim de monitoramento desta terça, por exemplo, 13 das 21 regiões covid aparecem com elevação no acumulado semanal de contaminações.
A professora da UFRGS avalia que esse recente descompasso entre o nível de transmissão do vírus e o impacto hospitalar pode estar relacionado a efeitos preliminares da vacinação. Embora a cobertura de 14% da população com as duas doses necessárias para gerar os anticorpos ainda seja muito limitada para frear a circulação do coronavírus, há uma hipótese de que já poderia estar reduzindo casos graves e hospitalizações entre as pessoas mais suscetíveis.
— A explicação pode ser a vacinação, mas o problema é apostar nisso. Seguimos com um nível de internações e de óbitos muito altos, e a entrada de uma variante muito mais transmissível como a delta (identificada na Índia) em uma população com baixa cobertura vacinal pode ser devastadora — alerta a especialista.
O acumulado semanal de óbitos por cem mil habitantes estava estabilizado em cerca de 6,5, mas nos últimos dias subiu a mais de 7 por cem mil. Para a estatística, isso pode ser fruto de eventuais sobrecargas localizadas de serviços de saúde, mas também está abaixo do que se poderia esperar pelos níveis de contaminação:
— Pelo que vimos recentemente no crescimento números de novos casos, poderíamos ter um avanço muito maior nos óbitos.
Futuro da pandemia ainda é incerto
O epidemiologista do Hospital de Clínicas Ricardo Kuchenbecker lembra que, para a imunização bloquear a transmissão do coronavírus, é preciso elevar a cobertura vacinal completa de 14% para mais de 70%.
— Para sairmos dessa estabilidade alta, só com aumento da vacinação, restrições de circulação ou estratégia muito organizada de testar sintomáticos e fazer quarentena. O problema é que muitas pessoas estão deixando de tomar a segunda dose — sustenta.
O infectologista Ronaldo Hallal, membro do Comitê Covid-19 da Sociedade Riograndense de Infectologia, avalia que, até se alcançar a imunização coletiva, é muito difícil prever os rumos da pandemia no Estado:
— Por um lado, realmente temos uma parcela da população vacinada, especialmente aqueles com mais risco de desenvolver doença grave. Mas manter taxas de ocupação das UTIs próximos a 90% é muito arriscado. Como estamos com um nível de circulação das pessoas praticamente igual a antes da pandemia, um novo agravamento pode sobrecarregar de novo a estrutura da saúde
A ocupação das UTIs gaúchas por todo tipo de patologia se encontra acima de 86% desde o final de maio. Epidemiologista e ex-secretário adjunto da Saúde de Porto Alegre, Natan Katz acredita que é importante prestar atenção à velocidade do agravamento da pandemia em relação ao sistema de saúde:
— Conseguimos ver claramente esse aumento de velocidade quando a pandemia começou, depois no mês de junho, e em fevereiro desse ano. Após esses três momentos, não vi indicadores que demonstrassem que a situação estava desandando novamente. Variações sempre vão ocorrer, mas devemos evitar o alarmismo.