Toda vez que as notícias na TV trazem o número de vidas que já foram perdidas no país por causa do coronavírus — hoje mais de 480 mil —, Evellyn Sfolha pensa: "Uma dessas é o meu filho". Em março, durante duas semanas, a casa da família em Santa Cruz do Sul passou de três a quatro habitantes, com a chegada do bebê Rhavi. O segundo filho de Evellyn e o primeiro filho biológico do marido, Renan de Vargas, veio ao mundo saudável e perfeito, como diz a mãe.
A família não permitiu visitas à criança, e acredita que a covid-19 tenha entrado no lar por causa de idas ao supermercado. Dez dias após o nascimento do bebê, Evellyn foi diagnosticada com a doença, mas não teve sintomas graves. Quando Rhavi completou 15 dias, teve febre e precisou ser internado por icterícia, condição que pode acometer recém-nascidos, popularmente conhecida como amarelão. No hospital, o bebê teve o diagnóstico confirmado também para a covid-19 e permaneceu no quarto, com a mãe, por uma semana. Depois, com piora nos níveis de oxigênio no sangue, foi levado à Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
— A tomografia mostrou quase 75% de comprometimento do pulmão. E aí os médicos começaram a travar uma verdadeira luta, já que era um bebê de cerca de um mês com covid, o primeiro caso desses no hospital e já com grande comprometimento. Ninguém sabia que tipos de tratamento ele iria aguentar — conta Evellyn.
A mãe ficou ao lado do filho na UTI por 15 dias, saindo só para tomar banho. Depois, enfraquecida pela rotina e pela tristeza, ela e o marido foram orientados a comparecer nos turnos de visita, mas descansar em casa. A criança chegou a dar sinais de estar vencendo a luta, mas não conseguiu reverter o quadro e morreu em 3 de maio. Em 30 dos 55 dias que viveu, Rhavi esteve entubado.
— Não foi falta de tratamento, de respirador, de nada. Foi o organismo dele que não reagiu. Ele faleceu com a saturação em 43%, teve falência renal e pulmonar. Estamos sofrendo muito com a perda, mas sabendo como ele nasceu perfeito, imagino o quanto seria triste viver em cima de uma cama, sofrendo, já que ficou muito tempo com a oxigenação baixa e isso afetou seu cérebro. Ele lutou, fez a parte dele, mas está num lugar melhor agora, descansando. É nisso que a gente se apega para se confortar. Deus sabe o que faz — afirma a mãe.
"Rhavi, irmão estrelinha"
Em março, quando a mãe chegou em casa com o recém-nascido, teve comemoração e vídeo para registrar o momento em que Noah, o filho de dois anos, conheceu o irmão. Três meses depois, quando o fotógrafo de GZH André Ávila foi até a casa fazer imagens da família, presenciou uma cena que é reflexo de um convívio interrompido entre irmãos, que deixou suas marcas. Sentadinho na mesa, o menino, que ainda não consegue formar frases longas, mas já fala algumas palavras, pegou nas mãos o porta-retratos que ficara no topo do caixão de Rhavi e disse:
— O meu irmão.
Ele não presenciou o velório nem o enterro, mas ouviu dos pais a notícia de que o bebê havia "virado uma estrelinha", frase que repete muito desde então.
Após a tragédia, o comportamento de Noah mudou. Está mais apegado à mãe e mais tímido ao interagir com outras pessoas, fica tentando se esconder. Por recomendação da pediatra, receberá acompanhamento de uma psicóloga comportamental.
Rhavi foi enterrado em Sobradinho, terra natal do pai, Renan. Quando retornou ao bairro Avenida, em Santa Cruz do Sul, a família mudou os móveis de lugar na casa e arrumou o quarto de Noah, tudo para tentar amenizar a ausência da criança que se foi. No corpo da mãe, a tatuagem que fez com o nome dos filhos é mais uma das marcas permanentes das duas vidas que trouxe ao mundo.
— Tem dias em que acordamos muito bem. Em outros, principalmente vendo fotos de crianças de idade parecida, bate aquela saudade e a vontade de saber como ele estaria agora, como estaria interagindo. Será que essa roupinha já ia estar servindo nele? — diz a mãe.
Também para o casamento, a morte da criança tem imposto desafios. Segundo Evelyn, a tendência dos adultos é de se fechar, cada um com a sua dor. É o filho mais velho que dá forças e incentivo ao casal:
— Meu marido ainda está fazendo o luto dele, não colocou para fora o sentimento, a angústia. Sonha muito com o bebê, acorda em sobressaltos, achando que o Rhavi está chorando. Era o primeiro filho biológico dele. Eu e meu marido falamos sempre: quem nos dá força agora é o Noah, uma motivação diária para acordarmos e fazermos as coisas por ele.
No próximo mês, o casal espera estar em condições emocionais para doar as muitas fraldas que ganhou durante a gestação e algumas das roupinhas que iriam vestir o filho no seu primeiro ano de vida. Também quer encontrar uma maneira de agradecer à equipe médica, que tratou de Evellyn com o mesmo zelo que ofereceu ao bebê.
— Fiquei sabendo que a equipe do hospital está muito sentida com a morte dele. No hospital de Santa Cruz, tive meus dois filhos, e, durante a internação do Rhavi, a médica não saía do meu lado, me dizendo para ter força, não perder a esperança. Eu vou ser eternamente grata — conclui Evellyn.