Apesar da urgência inédita, é preciso esperar. Enquanto laboratórios tentam dar conta da altíssima demanda por vacinas contra a covid-19 em escala global, pesquisadores continuam estudando e acompanhando o desempenho, no organismo humano, das doses aplicadas até agora. Por mais avançada que seja a ciência, não se pode driblar um obstáculo natural para entender e combater uma doença nova: o decorrer do tempo. Ainda não é possível afirmar qual a duração da imunidade proporcionada pelos imunizantes.
As vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna apresentam, no momento, proteção comprovada de seis meses após as duas doses previstas nos protocolos — estudo publicado no New England Journal of Medicine no último dia 6 demonstra a persistência de anticorpos em quem recebeu a imunização da Moderna depois de meio ano, ainda que essa curva passe a apresentar declínio.
Nenhuma dessas duas vacinas, por enquanto, está em uso no Brasil, que vem distribuindo o produto da Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo, e da AstraZeneca e da Universidade de Oxford, representadas no país pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro.
Daniel Mansur, biólogo e imunologista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), explica que as diferentes formulações estimulam o sistema imunológico de maneiras distintas. Logo, espera-se que as respostas do corpo também sejam variadas, assim como a duração do efeito protetor.
— Se vão durar um, dois, 10 anos ou a vida inteira, é impossível saber sem o tempo passar — ressalta Mansur.
Farmacêutica e professora da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Ana Paula Duarte de Souza lembra que, entre as inúmeras vacinas utilizadas hoje em dia, os períodos de garantia de imunidade são variados. No caso da febre amarela, por exemplo, basta uma única dose. Para a gripe, é preciso procurar postos e clínicas todos os anos, uma vez que o vírus influenza sofre mutações que exigem reformulações por parte dos laboratórios.
— Apesar de haver cepas e diferentes mutações do Sars-CoV-2, ele muta bem menos se comparado ao influenza — observa Ana Paula.
Ainda assim, a possibilidade de mutações do Sars-CoV-2 é uma das grandes preocupações atuais. Mansur destaca que o vírus pode sofrer variações até o ponto de a vacina desenhada em um estudo não servir mais, como pode ser o caso da vacina de Oxford frente à variante sul-africana. Por outro lado, CoronaVac e Oxford, afirma o biólogo, parecem ser eficazes contra a P.1, surgida no Amazonas.
— Uma das coisas que nos faz tomar a vacina da gripe todo ano são os vírus diferentes que estão circulando. Não sabemos, até o momento, como vai ser com o Sars-CoV-2. Se ele vai variar ao ponto de as vacinas não serem mais efetivas, é uma incógnita também — comenta o pesquisador da UFSC. — Há essas duas frentes: quanto tempo dura a vacina e se dura para o vírus que está circulando. Saber se teremos que vacinar sempre é um balanço entre essas duas coisas — complementa.
Os especialistas frisam a importância de que se respeite o esquema vacinal de cada imunizante, conforme o que foi testado e aprovado nos estudos clínicos. Não cumprir os prazos de intervalo entre as doses ou tomar apenas uma — se o necessário forem duas — compromete a proteção almejada. A CoronaVac foi idealizada com espaçamento de 14 a 28 dias — sabe-se, agora, que o período maior é o mais indicado. Para o imunizante de Oxford, aguardam-se 12 semanas.
— O que acontece sem as duas doses? A chance de você se proteger diminui muito. Talvez uma dose até funcione para algumas pessoas e traga algum benefício, mas o ideal, para alcançar a resposta, é que se tomem as duas doses. Se a pessoa não fica imunizada totalmente, ela desperdiça uma dose que poderia ser eficiente. Desperdiça dinheiro, investimento e não completa a vacinação — adverte Ana Paula.
Também estão em análise, pelo mundo, a necessidade de aplicação de uma terceira dose, como se fosse um reforço, ou a combinação de vacinas diferentes — aplicada a primeira, com o número devido de injeções, pode haver a necessidade de se recorrer ao imunizante de outra indústria.