Diante do cenário atual da pandemia no Brasil, é possível que surja uma variante do coronavírus mais letal, mais grave e mais perigosa, até mesmo para as crianças, disse o epidemiologista e coordenador da pesquisa nacional Epicovid, Pedro Hallal, em entrevista ao programa Timeline, da Rádio Gaúcha, na manhã desta quarta-feira (10). Na opinião do ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), para conter o avanço da doença seria necessário acelerar a campanha de vacinação e restringir a circulação do vírus — medida que está dando certo em outros países, afirmou.
A partir da apresentação de dados sobre o número mais recente de mortes no Brasil — que representou 21% dos óbitos por covid-19 no mundo inteiro —, o epidemiologista afirmou que o país se tornou uma ameaça à saúde pública mundial, pois está passando pelo pior momento da pandemia sem impor a restrição da circulação de pessoas em várias localidades.
— Quanto mais o vírus circular, mais variantes podem surgir — salientou.
De acordo com Hallal, os dados dos 20 maiores países do mundo em relação à pandemia estão em tendência de decréscimo, porque eles conseguiram acelerar a imunização e restringir a circulação do coronavírus. O problema, no entanto, é que essas duas medidas não estão sendo adotadas no Brasil:
— Éramos para estar vacinando de 1 milhão a 2 milhões de pessoas por dia, e estamos vacinando isso por semana, e o distanciamento social e o lockdown são palavras que foram difamadas durante toda a pandemia. A receita é a combinação dessas duas coisas. Está funcionando no mundo todo, se o Brasil vai adotar ou não, é uma decisão que cabe aos prefeitos e governadores, porque o governo federal já mostrou que não vai conseguir, e talvez não tenha nem a intenção, de enfrentar a pandemia da maneira adequada.
O epidemiologista também ressaltou que não será possível fazer com que a população tenha uma adesão forte ao distanciamento nesse momento da pandemia. Entretanto, destacou que a solução para o problema da vacina está nas mãos da sociedade, que deve se mobilizar para pressionar o governo do Estado e as prefeituras a comprarem doses dos imunizantes.
Hallal defendeu ainda que o Rio Grande do Sul é um laboratório perfeito para que as farmacêuticas testem a efetividade das vacinas e, assim, entrem no mercado nacional. O cientista afirmou que o Estado é o único lugar do país que tem vigilância epidemiológica detalhada durante toda a pandemia e que está à beira do colapso, o que pode colaborar para as pesquisas.
— Cabe a nós lutar por isso. Em uma cidadezinha no interior de São Paulo isso está sendo feito com a CoronaVac, em uma escala menor, e na África do Sul está sendo feita a mesma coisa em uma escala maior. O Rio Grande do Sul hoje é o lugar perfeito para se fazer esse experimento, é um movimento que tem que ser liderado por muitas forças e a gente está disposto, todos os grupos de pesquisa gaúchos, a encampar essa ideia — explicou.
Resultados da Epicovid
Questionado sobre os resultados obtidos pela Epicovid, o epidemiologista comentou que as principais respostas estão relacionadas à confirmação de que os casos informados nas estatísticas oficiais representam uma fração pequena do total de casos e à constatação de que crianças podem ser contaminadas pelo vírus tanto quanto os adultos, mesmo que a gravidade seja menor:
— Hoje no Brasil nós estamos divulgando 11 milhões de casos confirmados, isso significa que deve ter em torno de 40 milhões ou 50 milhões de pessoas no país que já tiveram contato com o vírus.
Esse número, no entanto, ainda está longe da quantidade considerada para a imunidade de rebanho, que seria 150 milhões de brasileiros.
— Se demorou um ano para contaminar 50 milhões e causou um dano desse tamanho, a gente não pode se dar ao luxo de esperar mais tanto tempo. A imunidade de rebanho pela infecção natural não vai acontecer nunca com a covid-19, a única forma de gerar imunidade de rebanho é através da campanha de vacinação, que é o que já está acontecendo em outros países — defendeu.
O epidemiologista citou como exemplo os dados da Escócia e de Israel, que ainda não vacinaram 70% da população, mas estão perto de atingir a imunidade de rebanho. Segundo ele, na Escócia, as hospitalizações por covid-19 já reduziram 94% e, nos Estados Unidos, com 16% da população vacinada, os casos também já diminuíram significativamente.
— Quando a gente acelerar a vacinação e chegar em 20% ou 30% (da população imunizada) já vamos ter resultado real de melhora. Então, temos que conseguir as vacinas e eliminar o intermediário que está atrapalhando, quem atrapalha a campanha de vacinação no Brasil hoje é o Ministério da Saúde, então os Estados e municípios vão ter que assumir o protagonismo — concluiu.