Os cinco maiores hospitais de Porto Alegre chegaram ou estão próximos do limite da expansão de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Em meio a uma ocupação de 105,3% nesta sexta-feira (5), a cidade enfrenta a falta de profissionais de saúde especializados, de equipamentos ou mesmo de espaço para abrigar o crescente número de pacientes com coronavírus.
Porto Alegre tem 986 leitos de UTI, quase 50% a mais do que os 660 de antes da pandemia. Só no último mês, 154 vagas foram reabertas ou abertas. A cidade é reconhecida nacionalmente pela grande oferta de hospitais e de leitos públicos, além da qualidade das instituições.
Ainda assim, a fila de espera por um leito intensivo hoje é, em média, de 28 horas na capital gaúcha, segundo a Secretaria Municipal da Saúde (SMS). Essa era a realidade, na tarde desta sexta-feira, de 135 pessoas com coronavírus e 17 com outras doenças que aguardavam, nas emergências, uma vaga de UTI.
Diretores de hospitais afirmam que abrir leito, hoje, é como enxugar gelo: não resolve o problema do grande número de infecções, o que acarreta, mais tarde, em hospitalizações.
A ocupação de agora jamais foi vista em Porto Alegre. Em anos anteriores, a fila que se criava em hospitais, durante o inverno, era por leitos clínicos, e não de UTIs, que exigem profissionais e equipamentos específicos.
Quando um hospital opera com lotação acima de 100% em uma UTI, profissionais e equipamentos são realocados de outros setores para o tratamento de pacientes com coronavírus, de forma relativamente improvisada.
Retira-se respiradores e monitores da UTI pediátrica e neonatal ou mesmo das emergências, por exemplo. Profissionais de outras especialidades também passam a ser transferidos para o atendimento a pacientes com covid-19, como cardiologistas, anestesistas, gastroenterologistas e epidemiologistas.
Em entrevista a GZH, a secretária-adjunta da Saúde de Porto Alegre, Ana Carolina dal Ben, diz que a prefeitura planeja abrir novas vagas a ponto de ultrapassar os mil leitos intensivos na cidade e que “ainda assim, seguiremos abrindo tantos quantos for possível”, mas reconhece que a margem de criação é pequena.
Ao falar em colapso, parece que ninguém vai conseguir atendimento. Na verdade, estamos em um carro com limite de cinco passageiros e estamos colocando o sexto e o sétimo passageiro, falta o cinto de segurança, a viagem fica mais difícil, mas sempre cabe mais um. É dessa forma que estamos andando hoje
ANA CAROLINA DAL BEN
Secretária-adjunta da Saúde de Porto Alegre
— Desde 1º de janeiro, abrimos ou reabrimos 20% novos leitos. Mas, ao falar em colapso, parece que ninguém vai conseguir atendimento. Na verdade, estamos em um carro com limite de cinco passageiros e estamos colocando o sexto e o sétimo passageiro, falta o cinto de segurança, a viagem fica mais difícil, mas sempre cabe mais um. É dessa forma que estamos andando hoje. Ainda conseguimos dar cuidado para as pessoas em pronto-atendimento e nas emergências — diz a secretária-adjunta.
O prefeito Sebastião Melo (MDB) anunciou, na manhã desta sexta-feira, a abertura de 100 novos leitos clínicos para Porto Alegre, no Hospital Vila Nova, destinados a pacientes de menor gravidade, mas o movimento não resolve o gargalo da fila de pessoas à espera de uma vaga de UTI.
O Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), que tem o maior número de vagas na cidade, ampliou em 170% o total de leitos em comparação ao período anterior à pandemia. Porém, chegou ao limite de expansão. Nesta sexta-feira, operava com 111% de ocupação.
A instituição diz que fez um grande esforço para reorganizar espaços e alocar equipes de outros setores para chegar ao patamar atual, mas que não há como criar novas vagas em UTI. No próximo dia 15, o Clínicas irá readaptar o espaço interno para passar leitos intensivos de um andar para outro, o que não criará novas vagas, mas acomodará melhor pacientes e equipes.
— Não temos mais profissionais e não temos mais ventiladores, que já pegamos de UTI pediátrica, de UTI neonatal, da emergência pediátrica, de sala de recuperação e do bloco cirúrgico. Todo esse equipamento emprestado de outras áreas para emergência e UTI covid faz falta a outros pacientes. Há, então, um custo de deixar de atender outros doentes para atender à demanda de covid — observa a médica intensivista Beatriz Schaan, que coordena o grupo de trabalho de enfrentamento ao coronavírus no HCPA.
A Santa Casa de Misericórdia, segundo hospital com mais leitos da cidade, criou 91% mais vagas em UTI ao longo da pandemia. Em último esforço, a instituição irá transformar blocos cirúrgicos e salas de recuperação em alas de UTI para abrir mais 15 leitos intensivos na semana que vem.
Os hospitais de Porto Alegre então dando uma resposta acima do limite. Estamos batendo no topo
OSWALDO BALPARDA
Diretor de operações da Santa Casa
— Estamos no nosso limite. Serão leitos abertos em sala de recuperação, no limite da nossa equipe. Depois, talvez a gente consiga mais um ou dois leitos, mas não mais do que isso. Estamos deslocando equipes de todas as áreas que puderam ceder. Quando eu abro uma unidade de UTI covid, preciso de mais pessoas do que em uma unidade comum. Os hospitais de Porto Alegre então dando uma resposta acima do limite. Estamos batendo no topo — analisa Oswaldo Balparda, diretor de operações da Santa Casa da capital gaúcha.
O Hospital Conceição, terceiro com mais vagas na capital gaúcha, expandiu em 44% o número de leitos no comparativo a antes da pandemia. O diretor administrativo e financeiro, Cláudio Oliveira, afirma que a instituição conseguirá abrir alguns poucos leitos novos após a contratação de profissionais intensivistas, em falta no mercado.
Precisamos saber quantos médicos teremos para ver quantas vagas podemos abrir. Mas é como enxugar gelo. Já abrimos 10 leitos de UTI, e eles foram ocupados em menos de duas horas
CLÁUDIO OLIVEIRA
Diretor administrativo e financeiro do Hospital Conceição
— Temos espaço para abrir mais leito de UTI, temos respiradores, cama e espaço, mas precisamos de equipe. O concurso para intensivista será em 14 de março. Precisamos saber quantos médicos teremos para ver quantas vagas podemos abrir. Mas é como enxugar gelo. Já abrimos 10 leitos de UTI, e eles foram ocupados em menos de duas horas — afirma Oliveira.
O Hospital Moinhos de Vento aumentou em mais de 70% o número de vagas de UTI em relação a antes da pandemia. A instituição não divulga se tem capacidade de criar novos leitos porque isso “pode variar de acordo com necessidade, com os recursos — inclusive humanos —, com a situação do momento, disponibilidade de insumos, entre outros fatores”, segundo nota da assessoria de imprensa. Mas a falta de mão de obra também é uma realidade.
— Temos capacidade de expansão limítrofe. Expandimos recentemente mais 30 leitos de UTI na sala de recuperação, mas estamos com restrição na contratação de pessoal. Não é simplesmente ter leito, precisamos de médico, enfermeiro e fisioterapeuta — diz Gisele Nader, gerente médica do Hospital Moinhos de Vento.
O Hospital São Lucas (HSL) da Pontifícia Universidade Católica do RS (PUCRS) expandiu em quase 34% o número de leitos intensivos. Em nota, a instituição afirma que antes da pandemia contava com 282 leitos clínicos e cirúrgicos e 59 de UTI, totalizando 362. "Em dezembro de 2020, O HSL iniciou sua expansão: foram abertos 40 novos leitos clínicos e 20 leitos de UTI. Dos 79 leitos atuais de terapia intensiva, 63 atualmente são dedicados ao tratamento de covid".
Na última semana, ressalta o HSL, a capacidade de atendimento da emergência foi ampliada em 50%. Assim, agora há 35 leitos para pacientes infectados pelo coronavírus e 13 para os que têm outras patologias. E decretou nesta sexta: "Neste momento, o hospital chegou na capacidade máxima de sua ampliação de leitos".
Plano de enfrentamento
O plano de enfrentamento à pandemia da Capital prevê suspensão de cirurgias eletivas e das férias de profissionais da saúde, além de realocação de trabalhadores de outros setores para tratar pacientes com covid-19. Neste sábado (6), haverá ainda 12 postos de saúde abertos, e seis no domingo (7), com foco em atender pacientes com problemas respiratórios.
A secretária-adjunta da Saúde de Porto Alegre, Ana dal Ben, ressalta que a capital gaúcha aderiu ao consórcio de municípios que buscará comprar vacinas contra covid-19 por conta própria, mas diz que não há previsão de quando as doses podem chegar. Ela afirma que não há, no momento, falta de oxigênio ou medicamento na cidade e acrescenta que a prefeitura estuda a criação de um hospital de campanha.
— Isso está sendo estudado pela prefeitura, mas conseguimos ainda abrir leitos na rede. Isso está sendo avaliado e, no momento oportuno, será tomada uma decisão — afirma Ana. — É nosso dever oferecer cuidado para todos que precisem de um leito. Não temos ingerência sobre o comportamento da população, e, por isso, pedimos a colaboração.
Questionada se é a favor da liberação do comércio neste momento da pandemia, a secretária-adjunta da Saúde diz que a decisão é do prefeito e que o município seguirá as determinações de bandeira preta do governo do Estado.
— Eu sou da saúde. Essa é uma posição que extrapola minha competência enquanto gestora da saúde. É uma pergunta que não me cabe. Essa decisão é em parceria da Secretaria de Saúde, da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e do prefeito. O prefeito já afirmou que as pessoas precisam manter seu sustento, em Brasília se discute um novo auxílio emergencial, então as coisas são muito voláteis. Essa pergunta é uma decisão de governo e não vale minha opinião pessoal — respondeu.