Para o infectologista do Hospital Nossa Senhora da Conceição, André Luiz Machado, o cenário atual das instituições de saúde, que enfrentam o pior momento da pandemia de coronavírus no Rio Grande do Sul, é reflexo do relaxamento das medidas de prevenção por parte da sociedade. Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta sexta-feira (12), o médico comentou sobre o aumento do número de casos e de mortes pela covid-19 e sobre a nova variante do vírus, que representa maior risco à população.
A variante ocasiona uma nova apresentação clínica de uma mesma doença, que tem muito mais infectividade e uma transmissão maior devido à carga mais elevada do vírus no trato respiratório, explicou Machado. Segundo ele, os atuais pacientes estão apresentando quadros mais sintomáticos e duradouros da doença:
— Percebo que o tempo de doença é muito maior, a febre é mais prolongada, a tosse é mais prolongada, e a doença viral mais prolongada acaba muitas vezes facilitando a sobreposição de infecções bacterianas também. Então, a gente tem um doente muito mais comprometido, que fica mais tempo com a sua saúde debilitada.
O infectologista salientou que, consequentemente, essas pessoas também acabam ficando mais tempo afastadas de suas atividades e que o tão citado impacto que as medidas de restrição causam na economia pode ser ainda maior se as pessoas não respeitarem o distanciamento e acabarem contraindo a doença.
— É um vírus muito mais agressivo, que causa mais sintomas e que deixa o indivíduo doente por mais tempo, e isso impacta de uma forma negativa inclusive na economia — afirmou.
Em uma análise preliminar da situação nos hospitais, Machado também comentou que é possível que o tempo médio de internação de pacientes com covid-19 na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) aumente, justamente, pela agressividade da nova variante, que causa um comprometimento pulmonar muito mais significativo. De acordo com o médico, o acometimento causado pela doença tem atingido até mesmo pessoas jovens com boa capacidade e performance pulmonar, fazendo com que elas tenham uma evolução negativa e permaneçam com os sintomas por mais tempo.
Impacto da vacina e transmissão do vírus
Machado relatou ainda que a vacinação é avaliada com cautela pelos profissionais de saúde, considerando que o imunizante não oferece proteção plena, mas principalmente contra as manifestações graves da doença. Ele salientou que os vacinados que eventualmente forem expostos ao vírus podem apresentar quadros leves e mesmo assim transmitir o vírus, por isso, não se pode descuidar das medidas de proteção individual, como uso de máscaras, de protetores oculares e aventais impermeáveis ao examinar e acompanhar pacientes com covid-19:
— No contexto atual da pandemia, onde novas variantes estão circulando pelo país, é muito precoce ainda afirmar que essas vacinas são de fato protetoras ou não. Estudos ainda precisam ser feitos de uma forma mais contundente e com um número maior de indivíduos para avaliar se a estratégia vacinal disponibilizada no Brasil protege contra essas novas variantes.
Em relação à transmissão do vírus, o infectologista enfatizou que não são consideradas aglomerações somente aquelas reuniões com mais de 10 pessoas e que, neste momento, é preciso evitar o contato e convívio inclusive com familiares mais distantes, amigos de longa data e vizinhos para diminuir o risco de contágio.
— Se tu te reúnes com a tua pequena família mais dois ou três vizinhos, esses vizinhos já vão se reunir com a família deles e nós já temos aí uma grande circulação do vírus, se eventualmente algum desses indivíduos estiver infectado — explicou.
O médico também defendeu que as estratégias para começar a vacinar a população contra a influenza já deveriam ter se iniciado, já que a doença tem sintomas clínicos muito semelhantes à covid-19. Para ele, deixar a população vulnerável a uma outra doença respiratória de acometimento pulmonar significa aumentar ainda mais o impacto na mortalidade dessas pessoas.
Capacidade do sistema de saúde
De acordo com Machado, que trabalha no Hospital Conceição há 15 anos, o fechamento da emergência da instituição entre quarta (10) e quinta-feira (11) foi uma medida necessária, porque não havia como continuar atendendo a população de forma digna. O infectologista afirmou que não adianta ter a possibilidade de aumentar o número de leitos, sem que haja profissionais e equipamentos para dar assistência aos pacientes:
— Temos uma doença que tem um comprometimento pulmonar grave e a nossa capacidade de aparelhos para dar o suporte adequado e digno para essa população já está toda ocupada, então não adianta liberarmos mais leitos se nós não tivermos equipamentos para atender a população.
Além disso, reforçou que é preciso uma equipe treinada e preparada para o atendimento desses doentes.
— Não basta apenas entubar um paciente, ligar um ventilador mecânico e deixar o tempo passar, são pacientes complexos, que precisam ser adequadamente avaliados e tratados — disse.
Por fim, Machado defendeu que a estratégia de oferecer cada vez mais leitos de UTI, com o objetivo de diminuir o impacto em relação à taxa de ocupação para tentar reverter a cor da bandeira do Estado, seria uma nuvem de fumaça:
— Trata-se de uma situação extremamente grave e os pacientes estão morrendo não só por falta de leitos de UTI, mas também porque não estão sendo adequadamente tratados nos leitos de UTI, porque os equipamentos não são adequados e a equipes que os assistem não é experiente no tratamento de pacientes com essa doença.