É no terraço sobre os 23 andares do histórico Edifício Santa Tecla, construção ícone do modernismo arquitetônico, inaugurado em 1959, que famílias chegadas do Interior ou até mesmo de outros Estados brasileiros em busca de atendimento médico na Santa Casa recebem acolhimento com cama confortável, cozinha, sala e banheiro em Porto Alegre.
O endereço - na Praça Dom Feliciano, no Centro - se tornou referência em ajuda a partir da ação da proprietária da cobertura, a engenheira Isabel Mânica Ruas, 54 anos. Em 2017, ela transformou o apartamento anexo, que antigamente era um local para moradia de empregados, no que chama de "Espaço de Deus".
Isabel ampliou parte do espaço e reformou para que pudesse ajudar pessoas que chegam sem conhecer ninguém e também sem condições financeiras para se manter em hotéis enquanto familiares passam por acompanhamento no hospital. Tudo nos cerca de 30 metros quadrados é oferecido por ela de graça. Muitos dos auxiliados são pais e mães de crianças que precisam de transplante de órgãos no hospital Santo Antônio.
Diana Ferreira, 35 anos, paraense de Santarém, veio para Porto Alegre com o filho Caio, nove meses, para que ele recebesse um novo fígado. Desempregada, ela ficaria em albergues do Centro com o pouco dinheiro que tinha e com o auxílio de R$ 24 oferecido pelo Sistema Único de Saúde. Até que foi procurada por Isabel.
- Não é qualquer pessoa que cede um imóvel assim para nos receber. A Isabel foi maravilhosa. Sempre serei grata - afirmou a paraense Diana.
No início de fevereiro, Caio recebeu o novo fígado e passa bem. Diana e o companheiro ainda dormem no apartamento cedido por Isabel, enquanto o menino não recebe alta.
A engenheira decidiu dedicar a vida a cuidar. Segundo ela, o apartamento sempre foi referência para familiares e amigos que vinham para Porto Alegre, especialmente por ser na frente da Santa Casa. Mas foi em uma ação da igreja que frequenta, a Igreja Mundial do Poder de Deus, visitando famílias em hospitais durante os finais de semana, que ela deu o pontapé inicial. Percebeu que muitos ficavam em acomodações de más condições ou dormindo nos corredores e bancos do hospital.
- É para dar um pouco de conforto e amor para essas mães que vêm bem de longe. Saber que existe alguém na vida deles, que ajuda eles, que vai orar por eles - afirmou.
Ao longo dos últimos anos, ela calcula ter dado abrigo para mais de 100 pessoas - entre pais e crianças. Isabel já recebeu casais do Pará, do Espírito Santo, do Paraná, de Santa Catarina e até o pai de uma criança da Argentina.
A engenheira tem dificuldades de elencar a história que mais a marca, diz que todas são especiais. Chega a lembrar o nome de cada uma das crianças e anota todas em um caderno, além de ter fotos deles do antes e depois da cirurgia. Lamenta a vida de cada um dos que não conseguiram se recuperar.
- Todas as histórias me emocionam. São histórias diferentes, é a vida de cada um. São filhos, estamos lidando com vidas. Todos são filhinhos do coração e abençoados - comenta.
Além de abrir a casa, Isabel ainda fornece comida e recebe os hóspedes para almoçar com ela aos finais de semana, quando geralmente é servido churrasco. Amigos dentistas fazem o acompanhamento odontológico de forma gratuita para todos - uma de suas hospedes teve de fazer três obturações.
Religiosa, ela também convida os hóspedes para orar aos domingos - mas diz que não obriga ninguém, que é só um convite.
Nada é cobrado por ela durante a estadia, somente exige que o espaço seja bem cuidado e mantido limpo.
Discreta, o trabalho de Isabel já é reconhecido por funcionários e médicos da Santa Casa, além dos grupos de mães de crianças que já receberam órgãos e que a procuram para pedir ajuda quando sabem da chegada de uma pessoa de outro Estado e com necessidade de acolhimento. Por isso, ela prefere não manter nenhuma página de seu projeto em redes sociais. A demanda já é grande através da rede informal de ajuda - já há três famílias na fila de espera pelo apartamento.
A engenheira atribui tudo à "obra de Deus", e tem um sonho:
- Estamos pedindo a Deus para me dar mais espaço para atender mais pessoas, para ver menos pais e mães que chegam de fora e sofrem demais aqui porque não têm auxílio. Mais solidariedade e amor de Deus. O pouco que pudermos fazer por essas vidas, vamos continuar fazendo. Precisamos de mais espaço e vamos conseguir!