O juiz Leonardo Henrique Soares, da Justiça Federal de São Paulo, acolheu parcialmente um pedido do Ministério Público Federal e determinou que o Ministério da Saúde faça "referência expressa", em comunicado oficial veiculado no site da pasta, às sementes de feijão que o pastor evangélico Valdemiro Santiago e a Igreja Mundial do Poder de Deus sugerem usar para combater a covid-19. O magistrado deu cinco dias para que a decisão seja cumprida.
Soares considerou que houve descumprimento parcial da liminar que determinou que o governo informasse no site do Ministério da Saúde se "há ou não eficácia comprovada do artefato (sementes de feijão/feijões) no que tange à covid-19".
"Nesse aspecto, entendo que a antecipação dos efeitos da tutela não foi devidamente cumprida, pois a informação veiculada apenas faz referência a não existir 'nenhuma base científica sobre alimento que garanta cura ou tratamento da Covid-19', deixando de expressamente referir-se à 'eficácia comprovada do artefato (sementes de feijão) no que tange à Covid-19'", registrou o juiz na decisão proferida no último dia 1, durante o plantão judiciário.
O despacho foi dado após a Procuradoria identificar que o site ministerial "disponibilizou texto sobre alimentação e fake news, que somente destaca a importância de comer de forma saudável e tomar cuidado ao compartilhar informações sem comprovação científica sobre alimentos com supostos efeitos terapêuticos contra covid-19". "Em nenhum momento se menciona os feijões que foram comercializados pelo líder religioso em vídeos disponibilizados no YouTube", afirmou o MPF.
Ao analisar o caso, o juiz Leonardo Henrique Soares considerou que a ausência de referência à "feijões" e às "sementes de feijão" implica em descumprimento parcial da ordem proferida anteriormente, "tendo em vista que é evidente que o objeto da ação é a veiculação em site oficial de que o artefato específico teria alguma eficácia curativa ou combativa em relação à doença".
Antes da liminar deferida pela 5ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo e por orientação do Ministério Público Federal, a pasta chefiada por Eduardo Pazuello chegou a divulgar que é falso que o plantio das sementes comercializadas por Valdemiro - em valores predeterminados de R$ 100 a R$ 1.000 - combatiam a doença causada pelo coronavírus. No entanto, a indicação foi retirada do ar sob a alegação de que "a iniciativa induziu, equivocadamente, ao questionamento da fé e crença de uma parcela da população".
A retirada levou a Procuradoria a acionar o Judiciário apontando que a conduta do Ministério da Saúde "viola a moralidade administrativa e o dever de informação adequada". Na mesma petição, a Procuradoria defende que o pastor Valdemiro e a Igreja Mundial do Poder de Deus sejam condenados a pagar indenização de R$ 300 mil por prática abusiva da liberdade religiosa, ao colocar em riscos à saúde pública e induzir fiéis a comprarem um produto sem eficácia comprovada.
"O MPF defende que garantia constitucional de liberdade religiosa, de crença e culto religioso não é absoluta, de modo que não está protegida juridicamente quando seu exercício coloca em risco a vida e a incolumidade das pessoas, veiculando informação e promessa de efeitos curativos ou terapêuticos, de patologia gravíssima e de consequências sociais tão dramáticas como a covid-19, que não encontra respaldo na ciência, inclusive mediante a necessidade de prévio pagamento por parte dos fiéis, para o acesso aos supostos efeitos terapêuticos. Assim, nessas circunstâncias, quem patrocina esse tipo de informação equivocada, com potencial para influenciar negativa e prejudicialmente comportamentos sociais, em quadro dramático de pandemia, não está imune à responsabilidade civil", registrou a Procuradoria em nota.
Com a palavra, a Igreja Mundial do Poder de Deus
A reportagem entrou em contato com a Igreja Mundial do Poder de Deus e ainda não recebeu uma resposta até a publicação desta matéria. O espaço permanece aberto a manifestações.
Em maio, quando a Procuradoria Federal encaminhou notícia-crime ao Ministério Público de São Paulo pedindo investigação do caso, a agremiação argumentou que "foi amplamente esclarecido em todos os vídeos que toda cura vem de Deus e que a semente é uma figura de linguagem, amplamente mencionada nos textos bíblicos, para materializar o propósito com Deus". A igreja disse ainda que a oferta pelas sementes é "espontânea", "dada de acordo com a condição e manifestação de vontade de cada fiel, não tendo nenhuma correlação com o comércio de qualquer produto e/ou serviço". Leia a íntegra da nota:
Em atenção à sociedade, em virtude de notícias veiculadas nesta quinta-feira (07) de maio de 2020, sobre a "venda" de semente com promessa de cura, a Igreja Mundial do Poder de Deus, vem esclarecer que:
1) Diferentemente do divulgado pela impressa, a campanha do mês de maio "sê tu uma benção" representado pela semente do feijão, não se refere a venda de uma "promessa de cura", mas sim o início de um propósito com Deus, representado por
um símbolo bíblico (a semente) que tem como princípio o início de uma colheita conforme a vontade de Deus (Lucas 8:11-15 e 2 Corintios 9);
2) Em relação a promessa de cura vinculada diretamente a semente, tem-se que foi amplamente esclarecido em todos os vídeos que toda cura vem de Deus e que a semente é uma figura de linguagem, amplamente mencionada nos textos bíblicos, para materializar o propósito com Deus (Genesis 26);
3) O valor da suposta venda divulgado, resta rechaçada veemente, haja vista ser a oferta espontânea, a qual é dada de acordo com a condição e manifestação de vontade de cada fiel, não tendo nenhuma correlação com o comércio de qualquer produto
e/ou serviço.
4) Esclarecemos, ainda, que nossa instituição, ao longo de todos esses anos tem o único e exclusivo propósito de propagação da fé Cristã, onde todas as nossas atitudes se baseiam nos princípios bíblicos, na ética e na legalidade.