Em meio à divulgação de resultados preliminares de eficácia de vacinas contra a covid-19, clínicas particulares começam a registrar procura de pessoas interessadas em reservar a compra de doses. Cerca de 30% das ligações diárias são para pedir informações, segundo a Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), que prevê a imunização para o público em geral primeiro na rede particular e somente a partir do segundo semestre de 2021.
A procura antecipada e a criação de lista de espera não têm serventia: médicos e o próprio setor salientam que as vacinas só chegarão às clínicas privadas em um segundo momento, após governos mundo afora comprarem grandes lotes para imunizar grupos de maior risco. Ainda se discute quem estaria nesses grupos, mas a expectativa é de englobar idosos, pessoas com doenças crônicas e profissionais da saúde.
No Brasil, o Ministério da Saúde prevê aplicar pelo menos 140 milhões de vacinas no ano que vem por meio do Programa Nacional de Imunizações (PNI), com foco na vacina de Oxford, produzida pela AstraZeneca.
— Está até assustador o desespero das pessoas. Estão muito ansiosas, e aí buscam na clínica privada. Acham que a vacina, quando for aprovada, será disponibilizada nas clínicas. Mas concordamos com a indústria de que a prioridade são os grupos de maior risco, então a vacina será direcionada para o governo. O mercado privado só será atendido em um segundo momento, a partir do segundo semestre — diz o presidente da ABCVAC, Geraldo Barbosa.
A criação de uma lista de espera não faz sentido em virtude do longo prazo até a chegada da vacina nos estabelecimentos, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha.
— Não consigo imaginar a possibilidade de qualquer vacina na rede privada antes do fim de 2021. O que tiver de doses deve contemplar primeiro o público-alvo eleito pelo Ministério da Saúde, uma regra provavelmente adotada em todos os países. A possibilidade de usar na rede privada fica muito mais longe — acrescenta Cunha.
Nenhuma vacina poderá ser aplicada em clínicas privadas sem a autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável por analisar se a droga funciona e se é segura, entre outros parâmetros.
O presidente da ABCVAC projeta que as clínicas particulares operarão com doses da Pfizer, Sanofi e MSD, que já têm histórico de vender para o mercado privado.
— Algumas vacinas devem vir porque as clínicas privadas terão que complementar a vacinação e ajudar os governos, que não terão capacidade financeira de vacinar a todos — complementa Barbosa.
A procura por vacinas contra a covid-19 é registrada em algumas clínicas de Porto Alegre, mas os estabelecimentos contatados pela reportagem não confirmaram a criação de listas de espera.
A Previne, que existe há 26 anos, recebe ligações diárias de interessados, mas não faz lista de espera por julgar muito cedo, diz o médico pediatra e diretor da empresa, Roberto Valdez.
— Provavelmente, o governo vai monopolizar as vacinas primeiro. Até chegar às outras pessoas, não sabemos como vai ser nem quando vai ser, se será no meio ou no fim do ano que vem. Nem sabemos se haverá vacina para clínicas particulares — pondera o médico.
A Clínica Mãe de Deus Center recebe uma média de cinco ligações por dia com dúvidas sobre quando chegará a vacina da covid-19. Não há lista de espera porque, de toda forma, haverá demanda quando as doses chegarem, cita o proprietário, Guilherme Doernte.
— Não estamos nos comprometendo para não gerar expectativa. Sabemos que será loucura. Tudo que tiver de vacina, o governo vai absorver. A rede privada vai ser atendida em um segundo momento. Se a Anvisa liberar outras marcas para o mercado privado, a gente vai comprar, se tiver possibilidade. Chegando aqui, vamos oferecer ao público em geral — explica Doernte.
O Núcleo de Vacinas Moinhos de Vento Iguatemi não vem registrando procura antecipada, e o infectologista Paulo Ernesto Gewehr Filho, supervisor médico e responsável técnico da unidade, destaca a incerteza de cenários: não se sabe quantas vacinas vão, de fato, ter boa eficácia, em quais grupos e faixas etárias funcionarão, quais serão os de maior risco definidos pelo governo, se as doses serão aprovadas pela Anvisa e mesmo se poderão ser estocadas em clínicas privadas.
— É uma incógnita se haverá na rede privada. Não importa qual será a produção de vacinas no próximo ano, ela não conseguirá suprir a demanda mundial. A vacinação deve se estender até 2022 para atingir o objetivo de vacinar toda a população mundial — acrescenta o médico.
A Panvel optou por não comentar o assunto. A Unimed não respondeu até o fechamento desta reportagem.