— Não tenho o que fazer. Ela vai entrar aqui para morrer.
As frases ditas por uma médica na porta de entrada da Urgência e Emergência do Hospital Municipal Belarmina Monte, em São Gonçalo do Amarante, na Grande Natal, comprovam a situação dramática dos pacientes graves com suspeita ou confirmação de coronavírus no Rio Grande do Norte.
A ocupação dos leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) para os casos grave da infecção está em 95% na região metropolitana de Natal, composta por 15 municípios e quase 1,7 milhão de habitantes.
Febre alta, dificuldade para respirar e a agudização do diabetes fizeram a família da aposentada Iraci Fonseca Salviano, 84 anos, acionarem o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) no início da manhã de quarta-feira (3), em São Gonçalo do Amarante, cidade vizinha à capital.
Com todos os sintomas de covid-19, a idosa foi socorrida pelo Samu e levada a uma outra cidade, Macaíba, onde fica a Base de Apoio do Samu Metropolitano, para que ela fosse colocada numa Unidade de Suporte Avançado (USA), que é uma ambulância com os equipamentos para pacientes em estado grave, incluindo respirador mecânico.
Após a troca de ambulância, a idosa precisou ser entubada, ainda na Base de Apoio do Samu, em decorrência do agravamento do quadro clínico. Estabilizada, a equipe de socorristas iniciou a viagem de volta ao município de São Gonçalo do Amarante, com destino ao Hospital Municipal Belarmina Monte.
Foi lá que o drama da família Fonseca Salviano se tornou uma via crucis. Ao chegarem ao local, os familiares se depararam com uma unidade hospitalar lotada. O acesso da idosa foi negado por uma médica plantonista.
— Não tenho onde colocar. Leve para o Giselda (Hospital Giselda Trigueiro), leve para uma UPA. O que eu vou fazer, pelo amor de Deus? A senhora quer subir para ver? Ela vai entrar aqui para morrer. Não tenho o que fazer. Eu não posso receber — repetia a médica plantonista aos socorristas do Samu e aos filhos da idosa entubada e que esperava há quase cinco horas por internação.
Em um vídeo gravado por Luciana Fonseca, filha de Iraci Fonseca Salviano, é possível ver a médica no estacionamento do hospital, com a porta da ambulância aberta, enfermeiros e médicos paramentados e tentando convencê-la de que a internação era necessária e urgente. A médica dizia, porém, que não havia espaço e chamou Luciana Fonseca para entrar no hospital e visualizar a situação dos leitos de enfermaria e UTIs, lotados. A médica que fez as declarações não foi localizada para comentar o caso.
— Onde eu vou colocar sua mãe? É um desespero para nós. Não é má vontade. A gente não tem onde botar — disse a médica após mostrar os ambientes lotados à filha da idosa.
Desesperada, Luciana Fonseca ameaçou chamar a polícia, o Conselho Regional de Medicina e o Ministério Público (MP) para intermediar a situação.
— Foi somente depois de afirmar que chamaria esses órgãos, que a assistente social do hospital disse que conseguiria um leito, mas que não seria de UTI — afirma Luciana Fonseca.
Após quase seis horas de espera, a paciente deu entrada no hospital e foi colocada numa ala destinada aos pacientes suspeitos e confirmados para a covid-19. Aliviada por ter conseguido internar a mãe, Luciana disse que voltou para casa com um misto de sentimentos.
— Alívio pela internação, mas uma angústia por não ter mais notícias. A gente se sente impotente — relata.
Luciana suspeita que a mãe tenha sido infectada pelo coronavírus dentro da própria casa.
— Eu testei positivo para a doença. Recebi meu resultado ontem e deu positivo. Eu cuido dela todos os dias. Ela pode ter pego de mim — lamenta.
O município de São Gonçalo do Amarante, um dos maiores da Grande Natal, não dispõe de uma Unidade de Pronto Atendimento. O Hospital Municipal Belarmina Monte é administrado por uma instituição filantrópica e, nos últimos dias, recebeu reforço de nove leitos.
Em nota, a assessoria de imprensa da prefeitura de São Gonçalo do Amarante informou que o hospital está com 12 pacientes internados na ala destinada aos casos de covid-19. A unidade conta com quatro respiradores mecânicos. Sobre a paciente que teve o atendimento inicialmente negado, a assessoria detalhou que ela está "estável, entubada, com ventilador mecânico" e que fará o teste para a covid-19 nas próximas horas.
A prefeitura destacou que foram "foram contratados mais 25 médicos para as UBS, na atenção básica, para que o paciente seja atendido e acompanhado na comunidade e não vá para o hospital". No município, deverá ser montado um Hospital de Campanha com capacidade para 50 leitos, sendo 20 de UTI.
"À beira de um colapso"
O Rio Grande do Norte tem 219 leitos, entre clínicos e de UTI, específicos para a covid-19. Destes, 170 estão ocupados, 32 bloqueados e 17 disponíveis. O índice de ocupação é crítico na região oeste do Estado, com 100%, e na Grande Natal, com 95%.
Na terça-feira (2), o secretário de Estado da Saúde Pública do Rio Grande do Norte, Cipriano Maia, disse que a situação da rede de assistência pública local para o novo coronavírus está "à beira de um colapso".
— Estamos numa situação extremamente crítica. Eu não diria ainda colapso, porque os pacientes estão conseguindo ser atendidos em algum serviço. Mas podemos dizer que estamos, realmente, à beira do colapso se não contivermos a taxa de transmissão, se continuarmos com a expansão do contágio e, consequentemente, o aumento do número de pacientes graves que irão demandar mais leitos. Essa abertura de leitos é limitada. Ela tem muitas restrições tanto no setor público, quanto no setor privado. Realmente, estamos numa situação limite — declarou Cipriano Maia