É preciso cautela para interpretar os resultados fornecidos pelos testes rápidos para coronavírus, alertam especialistas. Os chamados ensaios imunocromatográficos conseguem apontar a presença ou não de anticorpos contra o vírus, o que pressupõe que o teste seja feito passados alguns dias após os sintomas. Esses testes, que ficam prontos entre 10 e 30 minutos, foram liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a realização em farmácias do país em caráter extraordinário, enquanto for mantida a emergência de saúde pública provocada pela covid-19.
Ainda que autorizados, esses materiais não devem ter os seus resultados usados em caráter confirmatório, destacou o diretor-presidente da agência, Antonio Barra Torres. Os testes, portanto, exercem um papel de auxiliar no diagnóstico com o intuito de ampliar as testagens e desafogar o sistema de saúde.
— Eles possuem limites de detecção inerentes ao desenvolvimento do produto e ao estado imunológico do usuário. Sendo assim, resultados negativos não excluem a infecção por SARS-CoV-2 e resultados positivos não devem ser usados como evidência absoluta de infecção, devendo ser interpretados por profissionais da saúde em associação com dados clínicos e outros exames laboratoriais confirmatórios — disse, durante a reunião da Diretoria Colegiada da Anvisa, na terça-feira (28), que aprovou a liberação dos ensaios em farmácias.
Um resultado negativo para a presença de anticorpos, por exemplo, pode acontecer em função do tempo que o corpo leva para responder ao ataque do vírus e produzir anticorpos, as imunoglobinas IgM e a IgG. A IgM leva, em média, de cinco a sete dias após a infecção para ser produzida, isto é, apenas depois desse período poderia ser detectada. Já a IgG começaria a aparecer a partir do décimo dia.
— Esses testes não serão úteis para identificar quem está doente, mas, sim, para mostrar quem já se infectou há, pelo menos, uma semana ou 10 dias. Ou seja, são indicativos de que o indivíduo, em algum momento passado, teve a infecção — explica o virologista Paulo Michel Roehe, professor titular do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICBS) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia, o infectologista Sergio Cimerman faz uma crítica mais direta:
— Minha opinião é que não vai ser útil. Vai criar mais confusão para a população.
Minha opinião é que não vai ser útil. Vai criar mais confusão para a população
SERGIO CIMERMAN
Coordenador científico da Sociedade Brasileira de Infectologia
Na prática, isso significa que, se uma pessoa que apresentou sintomas hoje, pode ter o resultado para a presença de anticorpos negativo hoje. No entanto, isso não quer dizer que ela não esteja contaminada.
— Talvez esse teste possa dar negativo até 10 dias após o contágio. Essa margem de produção de anticorpos depende de cada pessoa — afirma Ilma Brum da Silva, diretora do ICBS, unidade responsável pela realização de testes de covid-19 na UFRGS.
Roehe também pondera que, por terem baixa sensibilidade, esses testes foram desenhados para detectar pessoas que apresentam IgM ou IgG em um nível relativamente alto, o que significa que quem teve baixo nível de anticorpos também pode ter um resultado negativo.
— As pessoas não querem saber "ah, um dia eu tive a infecção". Os ensaios são de pouca ou nenhuma utilidade para o leigo. Agora, eles têm valor para estudos epidemiológicos, para sabermos quantas pessoas foram infectadas — avalia o virologista.
Imunidade ainda não está esclarecida
Para além dos estudos epidemiológicos, os testes rápidos, por indicarem a presença de anticorpos, podem oferecer alguma segurança para aqueles profissionais que desejam retornar ao trabalho. Ainda assim, ressalta Ilma, a questão da imunidade para o coronavírus não está bem esclarecida:
As pessoas não querem saber "ah, um dia eu tive a infecção". Os ensaios são de pouca ou nenhuma utilidade para o leigo. Agora, eles têm valor para estudos epidemiológicos, para sabermos quantas pessoas foram infectadas
PAULO MICHEL ROEHE
Professor titular do ICBS da UFRGS
— Um ponto importante é que não se sabe o quanto essa imunidade dura. O vírus tem pouco tempo de ação e de conhecimento. Pode-se ter anticorpos, mas ainda não sabemos por quanto tempo essa defesa fica ativa.
Cimerman também levanta outra questão importante: a dos resultados.
— Quem vai avaliar esse resultado do exame? Isso vai ser feito em farmácia? Farmacêutico não tem essa prerrogativa, ele não está lá para interpretar, mesmo que seja um teste rápido — questiona o médico.
Conforme o texto da Anvisa, o teste deverá ser realizado por um farmacêutico, que deve seguir as boas práticas determinadas pela Resolução de Diretoria Colegiada nº 44, de 2009.
Estudo da Fiocruz avalia testes rápidos
Publicado no último domingo (26), um estudo feito pela Fiocruz avaliou alguns testes rápidos disponíveis no mercado brasileiro e aprovados pela Anvisa. Conforme o texto, divulgado no The Brazilian Journal of Infectious Diseases, "os testes são simples e podem fornecer uma confirmação rápida de covid-19, ao mesmo tempo que são limitados devido à alta taxa de falsos negativos quando coletados em uma fase inicial dos sintomas". Na conclusão, os pesquisadores avaliam que os materiais podem ser úteis durante a pandemia, mas completam que "é importante destacar que a taxa de resultados falso negativos de testes que detectam anticorpos SARS-CoV-2 IgM, utilizados na detecção de covid-19 na fase aguda, variou de 10 a 44%".
A resolução da Anvisa que libera os testes em farmácias está em vigor a partir desta quarta-feira, quando foi publicada no Diário Oficial da União.
Confira como está a previsão de oferta de testes em algumas redes de farmácias:
Panvel
Conforme sua assessoria de imprensa, ainda não há definição da empresa sobre a oferta de testes.
São João
Vai disponibilizar os testes com um valor de R$ 249. Estarão disponíveis em 10 municípios: Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo, São Leopoldo, Caxias do Sul, Pelotas, Santa Maria, Lajeado, Passo Fundo e Marau.
Droga Raia
Ainda não há informações sobre quando os testes rápidos de covid-19 estarão disponíveis.
Farmácias Associadas
Realizará os testes em algumas unidades no Estado, mas preço e data dependem de negociações com a indústria.