Os hospitais estão mais vazios do que o normal. Exceto pelo atendimento de pacientes de covid-19, unidades historicamente superlotadas encaram a pandemia sem leitos apinhados e macas pelos corredores. Para alguns médicos, o medo de contágio tem afugentado outros doentes.
— Onde estão nossos pacientes? — questiona Carlos Kalil, coordenador do Centro de Arritmias da Santa Casa, repetindo uma pergunta rotineira entre sua equipe.
Um dos efeitos colaterais do coronavírus foi a reviravolta na demanda por serviços médicos. Na Capital, o atendimento nas emergências despencou nos últimos meses – na unidade SUS da Santa Casa, por exemplo, a queda foi de 77% (veja os números abaixo).
Fenômeno mundial, o declínio na procura por hospitais ainda tem sido estudado pelos médicos. Em parte, a desocupação de cadeiras era esperada, devido ao cancelamento de consultas eletivas – em muitos casos, acessadas pelas emergências – e à aposta na telemedicina. Mas o desaparecimento de pacientes preocupa, uma vez que as pessoas não deixaram de sofrer infartos, AVCs e fraturas.
Profissionais de saúde temem que muitos não estejam sendo cuidados pelo receio de contaminação. Relatos de pacientes adoecendo em casa e a chegada de doentes em quadros agudos após dias de sintomas atestam que parte das pessoas está sofrendo em distanciamento domiciliar em vez de ir ao hospital e correr o risco de ser infectada.
— Não há apenas a pandemia da covid-19, mas a pandemia do medo. A população relaciona o hospital a local de contaminação, mas isso não é verdade — diz a coordenadora médica da emergência da Santa Casa, Ana Aerts.
Apenas sete pessoas desafiaram a lógica do medo no início da tarde desta terça-feira (28) na emergência privada da Santa Casa, onde os atendimentos caíram pela metade. Na sala de espera, 24 cadeiras seguiam vazias. Diabético e cardiopata, Pedro Paulo Alves, 53 anos, decidiu consultar por insistência da esposa. Munido de máscara e com as mãos cheias de álcool gel, buscou atendimento após três dias sentindo uma dor que lhe pressiona a cabeça. O soldador faz parte do grupo de risco do coronavírus, mas reconhece o perigo de outros diagnósticos.
— Não posso ficar em casa parado, me arriscando, sem saber o que é. Medo de se contaminar todo mundo tem, mas tinha de buscar o atendimento para saber o que tenho — ensina Alves.
"Foi por medo"
No Hospital de Clínicas, a média diária de pacientes em observação recuou de 75 para 30, salvo os atendimentos de covid-19. Pelos corredores, o público comenta nunca ter visto a emergência tão quieta
— Há pacientes que vinham sem necessidade e deixaram de vir. Mas não foi por reeducação. Foi por medo. Mas também temos recebido pacientes graves que têm se segurado em casa. E isso é ruim — afirma o chefe da emergência do Clínicas, João Carlos Santana.
Instituições têm buscado demonstrar que hospitais não estão equipados apenas para o coronavírus e que a segurança dos demais doentes está garantida. Todos reservaram alas para casos de covid-19. No Conceição, a emergência foi dividida em três – triagem, coronavírus e outras doenças –, e visitantes só podem circular após terem febre testada e receberem passaporte que libera o acesso.
Na emergência geral, a média diária de pacientes caiu de 200 para 60. A suspensão de consultas em ambulatórios e a orientação da prefeitura da Capital para que o Samu encaminhe somente pacientes relacionados ao coronavírus também influenciou na queda, conclui o gerente de internações de emergência do Grupo Hospitalar Conceição, Alexandre Bessil. O médico sublinha, contudo, a contraindicação de atrasar tratamentos:
— Ninguém deve ficar em casa aguardando que se agrave seus sintomas por medo da covid-19.
No Moinhos de Vento, a média de atendimentos diários diminuiu 71% na emergência pediátrica e 41% na adulta. A gerente médica do hospital, Gisele Bastos, pede que o público busque atendimento quando sentir que os sintomas podem indicar alguma patologia mais grave, como dores fortes de cabeça ou no peito ou febre persistente.
- O socorro rápido, em muitos casos, pode evitar sequelas e aumenta as chances de salvar o paciente. Se o sintoma preocupa, não dá para esperar o agravamento da situação por medo de infecção pelo novo coronavírus – diz Gisele.
A Confederação Nacional de Saúde estima que a ocupação de leitos clínicos e UTIs caiu pela metade nas unidades privadas do país.
— Foi forte a recomendação para que as pessoas fiquem em casa. Mas, para questões médicas, não dá. Ficar em casa com sintomas e sem atendimento é temerário — conclui Ana Aerts.
A queda no número de pacientes em algumas emergências da Capital
Hospital Conceição
Média diária de atendimentos
200 (2019)
60 (abril de 2020)
Queda: 70%
Hospital de Clínicas
Média diária de pacientes em observação
75 (2019)
30 (abril de 2020)
Queda: 60%
Hospital Moinhos de Vento
Média diária de atendimentos
Pediatria
Fevereiro: 73
Março: 52
Abril: 15
Queda: 71%
Adulto
Fevereiro: 130
Março: 130
Abril: 76
Queda: 41%
Santa Casa de Misericórdia
Atendimentos nas emergências SUS e privada de 15 de março a 15 de abril
10.985 (2019)
4.125 (2020)
Índices da queda
Geral: 62%
SUS: 77%
Privada e convênio: 50%