Com a ajuda de pacientes cujo organismo já derrotou o coronavírus, cientistas coordenados por um pesquisador brasileiro vão tentar produzir anticorpos contra o Sars-CoV-2 em laboratório. Se tudo der certo, as moléculas poderiam defender as células de pessoas recém-infectadas pelo vírus, sem que o corpo delas precisasse aprender a contra-atacar sozinho.
O imunologista Michel Nussenzweig, da Universidade Rockefeller, em Nova York, conta que sua equipe já conseguiu recrutar para o estudo 32 pessoas que se curaram da covid-19. O objetivo é chegar a cerca de cem voluntários, que doarão seu sangue, contendo células e anticorpos produzidos naturalmente para enfrentar o coronavírus.
— É praticamente certo que o nosso alvo serão os anticorpos que neutralizam a proteína da espícula do vírus (uma espécie de gancho bioquímico). Como esse é o caminho que ele usa para invadir as células, é a abordagem que faz mais sentido — explicou Nussenzweig, que nasceu em São Paulo e foi para os Estados Unidos no começo da adolescência com os pais, também cientistas, pesquisadores de ponta no estudo da malária – a mãe, Ruth, foi autora de uma descoberta fundamental para o desenvolvimento da vacina contra a doença.
Anticorpos podem ser comparados a armas de precisão, cuja estrutura molecular se encaixa de modo específico nas substâncias produzidas por invasores do organismo, como os vírus. Ao se acoplarem às moléculas invasoras, também chamadas de antígenos, eles podem neutralizá-las diretamente ou então marcar células infectadas para que outros componentes do sistema imune (de defesa) do organismo as destrua.
O médico da Universidade Rockefeller e seus colegas estudam há décadas esse processo quando ele é desencadeado pelo HIV, vírus causador da aids, com avanços importantes. Agora, querem aplicar a mesma lógica ao Sars-CoV-2. A ideia, grosso modo, é identificar as células produtoras de anticorpos, encontrar os genes que contêm a receita para a fabricação dessas moléculas nas células e cloná-los (copiá-los).
Assim, seria possível inserir esses genes em células cultivadas em laboratório, para que elas os fabriquem em grande quantidade. Algo parecido já está sendo feito em alguns lugares dos EUA, por exemplo, nos quais o plasma (a parte mais líquida do sangue) de pessoas que se curaram da covid-19 está sendo doado para doentes graves, na esperança de que os anticorpos do plasma ajudem no combate à infecção.
— O problema de fazer isso é que é impossível um tratamento em grande escala. Talvez uma pessoa curada consiga doar plasma para três ou quatro doentes, o que é muito pouco — explica o médico brasileiro.
A produção dos anticorpos em laboratório contornaria esse problema, já que o mesmo método já é usado para produzir remédios contra o câncer, mas o trabalho ainda deve demorar meses antes que se tenha um resultado confiável.
— Sabemos relativamente pouco sobre os coronavírus de modo geral, e esse vírus novo é bastante diferente dos que já conhecíamos. Ainda não temos ideia da razão por trás dos efeitos aparentemente menos severos em crianças, por exemplo, e também não sabemos se a variação genética em seres humanos poderia explicar os efeitos mais leves ou mais graves em certos indivíduos — afirma Nussenzweig. As incertezas, para ele, reforçam a importância da quarentena no combate à Covid-19.
— Tenho a esperança de que o Brasil consiga levar em conta as lições da pandemia a partir da experiência de outros países. As pessoas precisam perceber que, uma vez que esse negócio começa a se espalhar, é muito difícil detê-lo quando não se leva o distanciamento social a sério — diz o pesquisador.